terça-feira, 23 de dezembro de 2008

HÁ NATAL



(Retirado da mensagem de Natal do Tio Escola)

Se tens tristeza, alegra-te!
O NATAL é alegria.
Se tens inimigos, reconcilia-te!
O NATAL é paz.
Se tens amigos, busca-os!
O NATAL é encontro.
Se tens pobres a teu lado, ajuda-os!
O NATAL é dávida.
Se tens soberba, sepulta-a!
O NATAL é humildade.

.................Se tens trevas, acende a lâmpada!
.................O NATAL é luz.
.................Se tens pecados, converte-te!
.................O NATAL é vida nova.
.................Se vives na mentira, reflecte!
.................O NATAL é verdade.
.................Se tens ódio, esquece-o!
.................O NATAL é amor.
.................Se tens fé, partilha-a!
.................O NATAL é Deus connosco.

A TODOS BOAS FESTAS E UM SANTO NATAL
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sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Que tens de teu?


Zangou-se com ele e veio-se embora.

Ele deixou-a ir e não tentou segurá-la. Doeu-lhe.

Ficou a pensar: se fosse definitivo, que tinha para trazer de lá?

Quando fechamos uma porta, que temos de verdadeiramente nosso para trazer connosco?
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segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A noite



Nada importa agora.
A noite. O silêncio. O dia é a noite, esta noite em que te estendes no meu silêncio.
O teu corpo nú. Tu.
A tua boca. A tua língua que me procura. Pele. Pele na pele.
Que importa agora?
O dia é a noite, esta noite que me grita. Silêncio, mas sons. Gemidos no silêncio. A noite. Plena.
O rosto sem ver. Mãos. As tuas mãos, os teus dedos. Urgências. Maiores.
Os sons. O silêncio.
Agora não importa. Só tu. Só isto. Nós. Os nossos corpos. Sem ver. A noite.
Somos pedaços de uma coisa maior.
Agora um pouco mais. Cheguei. Contigo. Tu também.
Antes o fulgor. Agora, a paz.
Em silêncio, ainda.
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segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Regresso



Quase noite, mas ainda o cinzento do dia. Cinzento de chuva. Uma chuva que incomoda. Conduzo de regresso a casa. Casa. Seguro o volante com uma mão. A outra vagueia, distraída. Ajeita o cabelo, pousa no assento, na caixa de velocidades, passa pelo rosto, descansa momentaneamente na perna, desliza para a caixa outra vez e aí fica. A dança dos pés nos pedais não me é estranha, mas é como se dela não tivesse consciência. Como de nada do que me rodeia. Vejo sem ver a auto-estrada, um ziguezague á minha frente, as luzinhas vermelhas dos carros à minha frente, todos em movimentos iguais aos meus, mas todos a anteciparem-me. Regresso. Um nevoeiro cerrado a subir a serra. Um verde cinzento na natureza. Do verde bonito dos dias de sol, nada. O rádio a tocar, eu sem ouvir. Naninni? Talvez. A voz é rouca, soaria bem se eu a ouvisse. Não ouço.

Desde que te foste embora, não ouço. Não ouço, não sinto, não vejo. Regresso. Casa. Penso no tempo em que a minha casa era uma janela. Uma janela de ilusões. Mas tu foste embora e ficou o vazio. Incomparável.
Conduzo devagar. Um vagar desatento de quem não dá conta. A voz é agora masculina. “E é sempre a primeira vez, em cada regresso a casa”. Veloso. Faz-me lembrar-te. Por onde andas agora?

Eu sabia a cada vez que. Sempre que. Em todas as vezes que
- enviar
um friozinho, porque eu sabia que. Que podia ser a ultima. Que talvez já não viesses. Regresso. Às vezes demorava dias, semanas até. Às vezes era espontâneo, outras vezes um mero acaso. Mas sabia que podia ser a ultima. A ultima vez que. Enviar.
Outra voz masculina. Num inglês sensual, diz que precisa de mim esta noite. Rio-me histericamente ao pensar que não fala para mim. Que nunca ninguém assim para mim.

Avanço. Chove ainda. A estrada inclina-se e uma Beatriz Costa em madeira anuncia-me por onde passo. Uma subida agora e a portagem já ali à frente. Estou quase. Regresso.
Aprender. São assim agora os meus dias. Aprender a tua ausência. O livro da Margarida devolvido á prateleira depois de lido e tanto de mim ali. Uma ausência diária. Aprender. Recuperar a partir do que ficou, do que tenho. Definho e nem dou conta. Tanto de mim ali. Inexplicável.

Estou de regresso a casa.
Dizer-te só mais uma vez. Quando desceste do meu comboio, deixaste uma permanente saudade. Inesquecível.
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sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Bolinho, bolinho, bolinho


E pronto.

Terminado este curso e antes de iniciar uma nova etapa, é altura de cumprir as promessas feitas.

Fernando, este post é para ti, em jeito de homenagem ao delicioso bolinho que fizeste para nós todas.

Meninas, confessem sem demoras: ficámos todas a babar por mais uma fatia, só mais uma. Por isso, em coro e bem alto, vamos aplaudir o talento do Fernando: ele merece!


BOLO DO FERNANDO

1 lata pequena de milho;
A mesma lata de açúcar;
A mesma lata de leite;
1/2 lata de óleo
9 colheres de sopa de farinha de milho;
1 colher de sopa de fermento;
3 ovos
50 gr. de coco ralado;
1 pitada de sal

Bater todos os ingredientes na liquidificadora.
Untar uma forma com manteiga, polvilhá-la com farinha, colocar a massa e levar ao forno durante 40 minutos a 200 graus.
Desenformar só depois de frio, sobre uma cama de coco, e polvilhar ainda com mais coco por cima.

Como podem ver, muito simples, ao alcance até de iniciados (o que não é o caso do Fernando!).

OBRIGADA, FERNANDO!

(e para quando nova surpresa?)
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segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Que palavras tens no teu cofre?


Ao longo do curso, no final de cada sessão cada um de nós escrevia num pequeno quadrado de papel uma qualquer palavra, escolhida por si ao acaso, que depositava numa caixa fechada, o nosso cofre. Na ultima aula, aberta a caixa, coube a cada um, aleatoriamente, algumas dessas palavras para, em 5 minutos, compor um texto a partir delas.

O meu texto foi surgindo sem outra preocupação que não fosse a de misturar livremente todas as palavras que quiseram vir ao meu encontro. O último parágrafo, intencionalmente, pretende somente juntar todas elas (nas suas diversas formas) numa única frase.

Palavras:
Infância
Imprevisível
Linhas
Esquecer
Escrita criativa
Libertação
Ausente

Texto:
Há escrita imprevisível, criativa, com linhas, fora de linhas. Há escrita ausente, escrita de paixão, capricho de vida. Há escrita que vem da infância. Pode-se escrever para esquecer ou por simples vontade de libertação.

Escreve-se para criar ou por desejo de liberdade, que pode ser de nascença, de infância. A escrita é paixão e viver a vida sem escrever, pode não ser viver.

Escreve-se para esquecer ou até para lembrar o que se havia esquecido. As linhas da escrita nunca são rectas e se o foram a escrita não foi de paixão e sem paixão não há vida. A criação é libertação e a escrita que nasce e vive a infância em liberdade é imprevisível.

Quem na infância se libertou e escreveu por linhas de paixão de forma imprevisível, certamente não esteve ausente e não se esqueceu da vida.

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terça-feira, 23 de setembro de 2008

Post-it's inspirados que falam de nós




Ao longo do curso, no final de cada sessão, cada um de nós escreveu num post-it uma expressão escolhida a partir das inúmeras que haviam sido escritas nessa sessão. O post-it era depois colado numa parede, que se foi, assim, revelando um “mural” de inspiração.
Na ultima sessão, cada um escolheu um post-it e, em 10 minutos, propôs-se desenvolver um texto a partir da frase: “Escreveu … (texto do post-it) num post-it, colou-o… (indicar onde o colou) e virou costas”. Incapaz de me decidir por um único post-it, optei por seleccionar três, os que abaixo reproduzo.


Frases escolhidas:
“Um papel em branco! Vou colori-lo, seja com lápis de cor, canetas de feltro, ou simplesmente com as minhas palavras”

“Há palavras feitas para mastigar as ideias”

“Dia 15, em Lisboa, o sol nasce às 06:39”


Texto:
Acordou estremunhada. Passaram alguns minutos antes que tomasse consciência de onde estava. Depois soube. Levantou-se, espreguiçando-se. Fez o primeiro gesto da manhã, de todas as manhãs: ligou o rádio. Foi dominada por uma música lastimável e fez-se a mesma pergunta de sempre: como é que um locutor se senta aos comandos de uma rádio e se predispõe a acordar um país de gente melancólica com acordes tão bizarros? Felizmente, uma voz melodiosa anunciou de imediato: “Bom dia, tenha um muito bom dia. Hoje, dia 15, em Lisboa o sol nasce às 06:39…”. Não ouviu mais nada. Meu Deus, que precisão: 06:39! Estes meteorologistas são doidos! Houvesse tanto rigor nas contas do Orçamento de Estado e talvez o locutor não estivesse agora anunciar a mais que previsível demissão do Ministro das Finanças.
Tomou o seu duche, lavou os dentes, não esqueceu o creme hidratante espalhado por todo o corpo com gestos a roçar o sensual, olhou-se uma última vez ao espelho, gostou do que viu e mudou a expressão, contemplando-se com um olhar aprovador.
Ia precisamente a sair de casa quando olhou distraída para o puff comprado na véspera e, à falta de uma decisão sobre onde iria ele morar lá em casa, abandonado no hall. Só então reparou que uma folha de papel havia ali sido esquecida.
“Um papel em branco! Vou colori-lo, seja com lápis de cor, canetas de feltro, ou simplesmente com as minhas palavras”. Se bem o pensou, melhor o escreveu num post-it, colou-o na porta de entrada pela parte de fora e virou costas. Esqueceu nesse instante o pequeno almoço já por três vezes marcado, adiado e remarcado com o C. e nem a ameaça que ele lhe havia feito da ultima vez, que não voltaria a esperá-la e iria embora de vez se ela repetisse a gracinha, nem isso a fez assentar a cabeça.
É que ela sabia que há palavras feitas para mastigar as ideias e, por isso, naquele dia 15 em que Lisboa acordaria com os primeiros raios de sol às 06:39, dirigiu-se apressadamente à Baixa da cidade para, de uma vez por todas, fazer o que vinha a adiar há uma eternidade: inscrever-se num curso de Escrita Criativa.

Nota:
Este texto foi escrito na última sessão do curso e traduz o meu desejo que tivesse sido a primeira. Aqui se pretende, também, reencontrar o C., que abandonou o grupo a meio do curso e de quem nunca mais soubemos nada.
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quinta-feira, 31 de julho de 2008

A tua vida numa rifa



Iniciou-se a sessão rasgando papel. À mão, em pequenos fragmentos, sem qualquer preocupação de relevo que não fosse obter diversos exemplares de diferentes feitios. Depois, em cada pedaço foi escrita uma palavra, aquela que cada um entendeu que melhor definia o que o seu formato sugeria.

Conforme os diferentes efeitos, surgiram, entre outras:
- iate
- bilhete de autocarro
- bandeira;
- cabide;
- lua de papel
- gota d’água
- península Ibérica
- rifa

Saiu-se então para um pequeno passeio pedestre pela baixa da cidade, transportando no bolso um desses pedaços de papel. No destino, sob a azáfama de final de tarde na cidade e com o rio em fundo, em 10 minutos meditou-se sobre a ideia “quem és tu?”, e as reflexões foram anotadas em pequenas frases/interrogações.

O caminho de regresso foi feito com instruções precisas para escutar com atenção todos os sons em redor, registando-os e conjugando-os com “regressou…”

Fragmento de papel escolhido para viajar no bolso: uma rifa, devidamente enrolada, como as que se encontram nas quermesses das festas populares que ainda vai havendo nas aldeias.

De volta à sala, 10 minutos para escrever, relacionando “quem és tu?”, “regressou” e a palavra que espreita do bolso (rifa).

Texto:
No regresso, olhou a sua sombra. Fez a si mesma a pergunta que sempre a inquietava: quem era? Poderia saber quem era, apenas olhando a sua sombra?
Às vezes sentia-se um gigante, tão gigante que até se surpreendia. A sombra permitia-lhe o que o espelho lhe negava: o perfil. Perguntou-se para onde a levavam os seus passos naquele regresso. Sentia-se insegura, encurvada pela vida, mas ainda capaz do sonho. Capaz da vida. Que vida estaria contida na rifa que lhe coubera? E teria coragem de a desenrolar agora?
Em cada regresso perguntava-se se o sonho é companheiro do optimismo. Se tens garra porque não a agarras? Que te impede de voar?
Andou um pouco mais, sem saber se aquela necessidade de saltitar era mesmo real ou símbolo da sua inquietude.
Naquele regresso, uma sensação nova: a de olhar a imensidão e o silêncio do rio. Cruzou o arco e seguiu por caminhos proibidos. Descobriu uma agradável sensação ao experimentar emoções já vividas noutros regressos. A cada passo, o medo de cair, mas a certeza da música que ouvia dentro da sua cabeça dava-lhe confiança para continuar.
Não sabia se aquele regresso era igualmente uma ida, não tinha a certeza de estar a ir embora, mas ficar ali já não fazia sentido.
Com um último olhar para trás, e em passo acelerado e firme, tomou finalmente o caminho de regresso e rumou a oriente, porque sabia que de lá vinha o sol e lá saberia quem estava na ponta da sua sombra.
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terça-feira, 29 de julho de 2008

O painel da nossa imaginação




Parte da sessão foi preenchida a criar um enorme painel, construído por todos. Canetas coloridas em punho, a cada um foi dada liberdade para criar como melhor lhe apeteceu. O resultado está à vista: a H. desenhou uma árvore gigante, que outros complementaram. O P. delineou uma estrada que atravessou todo o painel, onde alguém acrescentou um túnel na ponta final, que por sua vez foi transformado noutras abstracções. O C. chegou tarde, mas não ficou ficou à margem e logo se juntou e deu o seu contributo. Foram deixados recados ao Cl, ausente. A S. andava de volta, a “espicaçar” aqui e ali.
Flores, frutos, palavras, desenhos, irreverências várias foram surgindo e compondo esta montra de nós.
Que grupo estupendo!
Que tarefa soberba!

No final, escreveu-se livremente sobre a experiência.

Texto:
De tudo, ficou uma certeza: a imaginação.
Uns divertiram-se a desenhar, outros a pintar, houve quem preferisse escrever ou simplesmente observar.
De tudo, ficou uma certeza: ninguém caiu num túnel de paredes escuras, sem luz. Alguns deram passos, outros viajaram de avião, outros, ainda, em pensamento.
Os ausentes não foram esquecidos e, mesmo quem apanhou o comboio a meio, não ficou parado na estação de partida.
Deram-se saltos, venceu-se a distância de um caminho, engoliu-se o tempo, lancharam-se palavras que caíram da cartilha, veio o pirilampo mágico, não faltou a chuva, fez-se uma salada de frutas com as maçãs de uma árvore plantada inicialmente, fizeram-se exclamações, colocaram-se interrogações, mas foram válidas todas as participações.
De tudo, uma certeza: gostei!
No desfecho, uma interrogação: que destino terá este nosso painel?

Nota: ficou para mim…claro!!!!



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terça-feira, 8 de julho de 2008

Há palavras...




A partir da expressão “há palavras feitas para”, construir frases. A partir daí, 5 minutos para um texto.

Há palavras feitas para sonhar;
Há palavras feitas para crescer;
Há palavras feitas para amadurecer;
Há palavras feitas para me situar em ti;
Há palavras feitas para amar;

Há palavras feitas para sonhar, amar, crescer, amadurecer.
Há palavras feitas para me situar em ti.
Mas também há palavras que não foram feitas ou que parecem nunca mais estar feitas, ou que parecem já feitas noutro tempo, onde nunca nada estava feito.
Há palavras feitas com vagar, com jeito, com fervor e sentimentos. Pois, há palavras que te definem!
Há palavras que eu ainda vou fazer, mas de todas as palavras já feitas ou mesmo de entre aquelas que tu ainda vais fazer para mim, prefiro as que foram feitas com amor.
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quarta-feira, 2 de julho de 2008

Olha que dois!



Em grupo, lançar para a mesa nomes de partes/órgãos do corpo humano. 10 minutos para escrever um diálogo imaginário entre dois deles.

Órgãos escolhidos: coração/cérebro. Que têm para dizer um ao outro?

Coração – Olá, que fazes por aqui?
Cérebro – Não sei bem. Estava entediado, vim para aqui pensar.
Coração – Ah! Muito bem. Mas que grande inquietação é essa?
Cérebro – Nada, estava a pensar na minha importância para o corpo dos humanos.
Coração – Na tua importância?
Cérebro – Sim, o cérebro é fundamental, não te parece?
Coração – Sim, é verdade. Todos deviam ter um…
Cérebro – Vá, não sejas assim. Faz-me justiça!
Coração – Ora! A tua importância, a tua importância! Mente arrogante! Já reparaste que o mesmo posso dizer eu?
Cérebro – Tu?
Coração – Claro! O coração é o mecanismo central de qualquer corpo, humano ou não. Achas possível prescindir de mim?
Cérebro – Olha, não estou para te aturar com essa altivez. Não quero sair daqui deprimido.
Coração (de mansinho) – Posso lembrar-te que deprimido já tu estavas?
Cérebro – Pára com isso, coração sem alma! Diz-me tu porque andas aqui à deriva.
Coração (cabisbaixo) – Tinhas mesmo que perguntar?
Cérebro – Ahá, suspeito que andas tão desorientado como eu.
Coração (desolado) – Tens razão. A minha dona partiu-me. Entrou numa contenda com o outro humano que mora lá em casa e ele chamou-lhe “cabecinha tonta”!
Cérebro – hhuuuu (gemido gutural)
Coração (risse) – Picaste-te?
Cérebro – Não sejas parvo. Não sei de que te ris. Que eu saiba, ela ficou com o “coração partido”.
Coração (pesaroso) – Pois foi! Não volto lá para casa enquanto “ele” não revelar ter também um colega meu!
Cérebro – Pois, acho melhor. E que sugeres fazermos agora?
Coração – Não sei. Uma tonteira qualquer. Olha, vamos contar as estrelas?
Cérebro – Anda daí. Eu também tenho fome!
Coração – Já te contei porque vim aqui?
Cérebro – Já, mas eu não perguntei…
Coração – É mentira! Bolas, Cérebro, tu não tens coração!
Cérebro – Ih, ih, ih, ih, ih …
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quinta-feira, 26 de junho de 2008

Que agitação!


Mote: o movimento

Em grupo. Num pequeno passeio pela Baixa, anotar todos os movimentos de que se tenha percepção, mas sem atender a qualquer som. Como se fossemos surdos. Fazer então um texto a partir da ideia: “alguém caminha velozmente quando…”

Alguns dos movimentos registados: carros que passam; pessoas em passos apressados; uma jarra que tomba numa montra; nuvens que se movem; outdoors eléctricos e semáforos que “caem”; malas em ombros femininos; brincos que abanam nas orelhas; braços que se agitam; bicicletas que rodam, eléctricos amarelos que passam.
Há uma imensidão de objectos que esvoaçam: folhas de árvores; bandeiras em janelas; toldos em montras; saias; cabelos, pássaros, echarpes; fumo de tabaco; a folha do papel onde escrevo.

Este texto privilegia e pretende explorar a ideia de movimento.

Estava decidido! Era hoje que ia apresentar a minha demissão daquele emprego ultrajante! Não, não voltaria a passar novamente por aquelas cruéis humilhações. Saltei do carro, bati com a porta, e, pela rua fora com o cabelo a esvoaçar e a bater levemente na écharpe que saltitava ao ritmo dos meus passos, não pensava em mais nada, nem via as pessoas que apressadamente se cruzavam comigo.
Sabia exactamente qual o momento que havia determinado a minha decisão: ao abrir a porta do café, avistei a bandeira da Associação Amigos do Pedal hasteada nessa noite que, em conjunto com aquela jarra virada a pino que enfeitava a montra no outro lado da rua, me fez perceber que tudo o que precisava era partir à aventura com uma mochila às costas no selim de uma bicicleta. Como alguém havia feito à jarra, iria virar a minha vida de pernas para o ar.
O vento fazia-se sentir e empurrava as nuvens, os toldos das montras abanavam, mas da cidade eu tinha só uma vaga impressão. Mal reparava nos outdoors eléctricos que caiam em repetidos movimentos ou nos brincos que ondulavam em cabeças de mulheres afirmativas que movimentavam o pescoço em tontas e animadas conversas alheias, não queria ter consciência de eléctricos amarelos e outros engenhos de uma vida antiga que iria agora deixar para trás de mim. Já quase corria, a direcção a seguir era uma certeza.
E foi nesse preciso instante que um jovem, puxando de um cigarro, soltou uma tal baforada de fumo que me cegou por instantes. Não vi o cair do semáforo, avancei (decidida, já vos disse, não disse?) e foi então que fui frontalmente atingida por um ciclista que saía, desastrado, da mesmíssima Associação que me havia feito decidir mudar o rumo à minha vida.
Em voo picado, fui projectada para o interior de uma agência de viagens que prometia concretizar sonhos em paragens longínquas, e foi assim que, mais depressa do que na realidade pretendia, vi ocorrer em breves minutos a tão ansiada mudança na minha vida ao ser arremessada para dentro de uma ambulância que arrancou, veloz, à procura do hospital mais próximo!
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quarta-feira, 11 de junho de 2008

Cuidado com esse buraco!


Iniciando com “um dia de manhã, levanto-me, saio de casa, há um buraco no passeio, não o vejo e caio nele. No dia seguinte, saio de casa…”, 5 minutos para terminar o texto usando a mesma estrutura e imaginando o que aconteceu sempre que saí de casa até ao sétimo dia .

Um dia de manhã, levanto-me, saio de casa, há um buraco no passeio, não o vejo e caio nele.
No dia seguinte, saio de casa, vou distraída e dou um valente encontrão num poste de electricidade que ainda ontem lá não estava.
Ao terceiro dia, saio de casa, preparo-me para contornar o poste, mas… há outra vez um buraco e quase caio nele. Um cartaz gigante informa-me que tiveram início as obras para o gás natural. Sigo meu o caminho satisfeita porque porque vai ser cada vez mais agradável viver no meu bairro.
Ao quarto dia, saio de casa, espreito as obras, mas agora o cartaz diz que as obras são para a passagem do Metro!
Ao quinto dia, saio de casa e nem quero acreditar: os serviços secretos estão a construir um túnel para uma galeria subterrânea.
Ao sexto dia, saio de casa e os meus olhos arregalam-se de espanto: um dos pilares da nova ponte que vai ser construída vai ficar mesmo em frente da minha porta!
Ao sétimo dia, saio de casa e respiro de alívio: no lugar de um buraco que ali andava há uma semana, alguém plantou uma árvore.
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segunda-feira, 9 de junho de 2008

Quantas janelas conheces?



Mote: a janela.

Em grupo, em jeito de brainstorming, atirar para a mesa palavras que descrevam tipos de janelas. Depois, individualmente, escolher seis delas e descrever o que se viu através dessas janelas. Fazer frases cruzando um tipo de janela com o que se viu através de outra. Escolher uma dessas frases e escrever durante 5 minutos.

Alguns exemplos de janelas:
Águas furtadas; escotilha; clarabóia; de vidro fosco; vitral; buraco da agulha; do Windows; do telemóvel; televisão; olhos; forno do fogão; de guilhotina;

Frases:
- Aproximei-me do vitral e vi árvores apressadas;
- Aproximei-me da janela do windows e vi a tua beleza;
- Olhei pelo buraco da agulha e vi a minha conta bancária;
- Da janela das águas furtadas, eu vi o blogue escreverescrever;
- Olhei pelos teus olhos e vi os meus textos;
- Pela janela dos teus olhos, eu vi o invisível;
- Olhei pelo buraco da agulha e vi a estação de partida;
- Aproximei-me do vitral e lá estava um e-mail do meu amor;
- Da janela do comboio eu vi a terra a meus pés.

Texto:
Pelo buraco da agulha, eu vi a estação de partida. Estava à minha frente e representava o início. Por ali eu ia sair para começar a minha nova vida. Tudo era novo e fresco e custava a acreditar que pudesse caber naquele minúsculo buraco de agulha. Mas era certo. Era agora. Ia ser.
Resolvi deixar para trás tudo o que não passasse naquele orifício insignificante. Seria pouco, muito pouco o que levaria comigo. Iria despojada de supérfluos e essa ideia animou-me.
Sabia que na minha nova vida só estaria presente o essencial, às vezes invisível aos olhos, até. Bastaria um raio de sol mas nuvens densas não teriam ali cabimento.
Olhei em frente. Tinha pressa em chegar ao outro lado e corri. Soube nesse preciso instante que o que antes me parecera uma fronteira, era agora passagem bastante para tudo o que precisava na minha partida. Percebi que o mais importante não era aquela estreita passagem, mas sim poder alcançar o lugar para onde me dirigia. Estação de chegada.

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terça-feira, 27 de maio de 2008

A Escada da vida

Retirar palavras/expressões do poema Escada Sem Corrimão de David Mourão Ferreira, cantado na voz de Camané e, a partir destas, escrever durante 10 minutos.

Expressões:
Escada em caracol; sem corrimão; a caminho do sol; chão; degraus altos; sustos, sobressaltos; medo de subir; sonhos; perigos em vão

Sem saber como, vi-me diante daquela Porta. A Casa era austera, parecia uma mansão antiga. As nuvens cinzentas, pesadas de água (de lágrimas?) em final de dia obscuro, não ajudavam a desfazer a paisagem assustadora que tinha à minha frente. Mas o que dominava era aquela Porta. Enorme, toda ela rangeu quando timidamente a empurrei para lá dos meus receios.
Vi-me dentro da Casa. À minha frente delineava-se a Escada. Altiva, a caminho do sol, de degraus altos, a roçar o infinito. Tive medo de subir, mas a ordem recebida era clara: “Tens que subir a Escada, porque subi-la é subires a tua vida”. Perguntei-me de novo qual o sentido de escalar a minha vida rumo ao alto, como se ambicionasse a eternidade, mas fiz o que me havia sido dito. Subi.
Avancei na esperança de que os meus pés caminhassem ainda no chão e toquei o corrimão. A Escada moveu-se, desenhou-se em caracol e, em sobressalto, compreendi: a minha vida era uma espiral, que urgia desenrolar. Coloquei um pé no primeiro degrau e avancei a mão. Segurei o vazio. O corrimão desaparecera e tudo fez sentido: teria que subir até ao limite da minha vida sem qualquer apoio.
Nem me dei ao trabalho de olhar para trás. Sabia agora que atrás de mim já não estava a Porta, só uma espessa parede. Olhei finalmente para cima e vi, como num sonho, um feixe de luz. Sabia que era por ali. Cheia de confiança, comecei a subir ao pé-coxinho, degrau a degrau e resolvi que não contaria aquela infinidade de degraus com números, antes resolvi transformá-los em letras, que depois juntaria em palavras e comecei então a cantarolar alegremente: a, b, c, d, e , f …

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Viajar na tua escrita

Em grupo. Numa folha em branco escrever uma qualquer palavra. Dobrar a folha de modo a ocultar a palavra e passar ao colega ao lado, que fará o mesmo. 5 minutos para um texto a partir da primeira e da ultima palavras deixadas na folha.

Palavras para o texto: escrever; viajar

Escrever viajando, escrever em viagem. Deixar-me transportar na escrita da tua viagem, viajar na tua escrita. Afinal que tens em ti, que me fazes viajar na tua escrita? Que me fazes escrever em viagens?
Lembro-me do tempo em que viajávamos e escrevíamos, numa anarquia de sentidos sem fim. Memórias de um tempo feliz, de palavras inacabadas, sempre, sempre em busca do próximo destino, da próxima paragem. Partida, chegada, partida, chegada. Sempre mais além, á procura de nós mesmos, numa escrita que fazíamos no outro.
Albergávamos em nós todas as poesias e todas as prosas, que nos levavam entre as margens onde pousávamos os pés e os pensamentos. Escrevíamos com sangue, com o coração, e eram as mãos, vagarosas no corpo um do outro, que usávamos como pincéis para pintar a razão. E a razão era viajar, viajar para escrever, escrever viajando.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Vamos fazer acrósticos?


A partir de palavras retiradas do poema Ode Marítima de Fernando Pessoa, fazer alguns acrósticos. Escolher um deles e fazer um texto. 10 minutos.

Acróstico: BarcosBaralhava As Rimas Com Outros Sentidos

Ouvia ruídos, vinham-lhe sons. Apurou os sentidos e esperou as ideias. Não. Não conseguia. Receou ter-se esgotado. O medo. Sempre o medo. De já não conseguir, de nunca mais conseguir. Não sabia dizer há quanto tempo estava ali à espera. O processo era sempre o mesmo: sentava-se a ouvir a música e aguardava as ideias, esperava que lhe chegassem em atropelos de inspiração.
Vinham cada vez menos. O filão já não era o mesmo. O medo. Sempre o medo. Baralhava As Rimas Com Outros Sentidos. Às tantas já não sabia quem era. Pensou: “E então? E se tiver que ser? E se nunca mais for capaz?”
Rodou o corpo, descruzou as pernas. Ficou muito quietinha. Esperou.
E de repente…
É isso! Acrósticos. Faria acrósticos! A partir de inesperadas palavras faria inspiradas frases que se conjugariam. É isso! Havia de conseguir!
Espera… palavras! Onde buscá-las? Como escolhê-las? Onde tinha os dicionários? Os livros de criança? Em livros infantis há sempre tantas palavras bonitas que cheiram a flores frescas acabadas de colher, a castelos de histórias encantadas, a arco-íris que começam no lado esquerdo da floresta e acabam na margem direita do rio, em barcos vindos de… Barcos!
Boa!
Endireitou-se e começou a escrever.
"Boémios Amores Recordados Como Orgias Suaves…,
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sexta-feira, 9 de maio de 2008

A que sabe a lua?


Retirar ao acaso excertos de livros vários e, em 10 minutos, fazer um texto a partir deles.

Livros e frases:
- Código do IRS e IRC – “Capítulo VIII - Garantias do contribuintes – artº 128: Reclamações e Impugnações – nº 1 – Os sujeitos passivos de IRC, os seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem reclamar ou impugnar a respectiva liquidação”
- Poemas, de Fernando Pessoa – “Não quero intervalos no mundo (…) quero que os corpos físicos sejam uns dos outros como as almas”
- A que sabe a lua? de Michael Grejniec – “Vista lá de cima, a lua estava mais próxima, mas a tartaruga ainda não podia tocá-la. “Sobe para as minhas costas, talvez cheguemos à lua”. A lua pensou que se tratava de um jogo e, à medida que o elefante se ia aproximando, afastou-se um pouco. Como o elefante não pôde tocar a lua, chamou a girafa”
- Folheto de propaganda política – “Medidas urgentes para a Câmara de Lisboa”
- Novo Testamento – “Então Paulo estendeu a mão em sua defesa e respondeu: “Tenho-me por feliz, Ó Rei Agripa, de que perante ti me haja hoje de defender de todas as coisas de que sou acusado perante os judeus”
- Guia Turístico de Nova Iorque – “Loja Strand Book Story, livros em 2ª mão – Os apaixonados pelos livros ou inclusivamente quem apenas leu um ou dois não devem deixar de visitar esta loja com exemplares em 2ª mão. A funcionar desde 1927, os imponentes corredores estão cheios de livros, quase dois milhões.”
- Resumo do Código para o Exame de Condução – “Sinais verticais – dentro das localidades ou regiões montanhosas, a distância entre a extremidade do sinal mais próximo da faixa de rodagem e a vertical do limite desta, não será inferior a 50 cm, salvo casos excepcionais de absoluta impossibilidade.”
- Guia de Compras dos Vinhos Portugueses – “Pedro e Inês, Dão Tinto 2004 – Feito com baga e alfrocheiro, tem muita especiaria no aroma, fruto elegante e fresco. Na boca mostra um estilo algo diferente do habitual, mais estruturado com bons taninos, final longo, fresco e apimentado.

Texto :
Pedro disse então a Inês:
- Sobe para as minhas costas, talvez cheguemos à Lua.
Inês assim fez e espreitou o outro lado do muro.
- Que vês?
- Campos de Dão Tinto de 2004.
- Como são?
- São feitos com baga e alfrocheiro, têm muita especiaria no aroma, frutos elegantes e frescos. Posso quase pressentir que na boca terão um estilo algo diferente do habitual, mais estruturado com taninos e um final longo e apimentado.
- Tens a certeza?
- Sim, não te esqueças que estes campos resultam assim porque dentro das localidades e nas regiões montanhosas a distância entre a extremidade da parreira mais próxima da faixa dos tractores de colheita e o seu limite não poderá ser nunca inferior a 50 cm, salvo em casos excepcionais ou de absoluta impossibilidade.
- Mas porquê?
- Porque não se querem intervalos no mundo, pretende-se com isto que os corpos físicos sejam uns dos outros como as almas!
- Que mais vês?
- Um cartaz gigante que anuncia e promete medidas urgentes para a Câmara de Lisboa. Tem um título descomunal, mas o texto é em letras miudinhas….
- Mas consegues ver o que diz?
- Sim, fala de um capítulo VIII e das garantias dos contribuintes. Parece que o artigo 128 se refere às reclamações e impugnações.
- Se calhar é por isso que está em letras miudinhas. Parece-me coisa importante. Ajeita os óculos, tu consegues lê-lo, tenho a certeza!
- Sim, consigo. Diz: “Os sujeitos passivos de IRC, os seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem reclamar ou impugnar a respectiva liquidação”
- Tem mais alguma coisa?
- Por cima alguém escreveu: "Tenho-me por feliz, Sr. Presidente da Câmara, de que perante si me haja hoje defender de todas as coisas de que me querem acusar perante esses judeus".
- Esquece isso. Vamos seguir o trajecto da Lua.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Abracadabra


Depois de observar 10 chaves diferentes, contar uma história a partir delas

Dizia-se igual às outras, em ímpetos de falsa modéstia, mas poucos acreditavam. Era caprichosa, vaidosa, birrenta e insuportável. Bastava uma rajada de vento escapar pela porta que abria e amuava. Bastava quem a transportava esquecê-la na mesa do café para se revelar todo o seu mau humor. Emperrava na porta e nada a fazia funcionar.
Sentia-se a Rainha das Chaves, mas escondia um profundo desgosto. Gostava de ter sido uma portentosa chave de uma porta de um castelo encantado e ser ela o objecto que permitisse ao seu dono salvar uma princesa em apuros. Não podia com a ideia da fraca importância que os humanos davam à sua função, pois julgava que sem ela e outras como ela, o mundo não seria o mesmo. Uma chave não é isenta de importância. Com ela se pode abrir um sonho, o paraíso, um coração, um arco-íris, a porta do céu, o fogo, o sol e a lua, o mar, um carrossel de ilusões, um mundo de fantasia, ou simplesmente uma ideia.
Ou pelo menos assim pensava. Em vez disso, odiava saber que a tinham prendido àquele banal porta-chaves onde nem faltava uma identificação da porta a que pertencia, não fosse acontecer confundirem-na, porque no fundo sabia-se tão igual ás outras que nada a distinguia.
Ser diferente era o seu sonho e a consciência da sua pequeneza, ignorada no fundo de uma mala, desesperava-a. Logo ela, que tantas histórias tinha para contar de quantas portas abrira. Acaso alguém algum dia lhe dissera “D. Chave, conte-me quanto viu”? Na próxima vez que a usassem ficaria tão hirta, tão hirta que quem a forçasse a partiria e talvez pudesse finalmente descansar no cemitério das chaves. Oh, terrível pensamento este para quem um dia se julgara a Rainha das Chaves.

sábado, 26 de abril de 2008

Palavras soltas


A partir da premissa dada (em destaque), fazer um texto

Gosto das palavras soltas, livres, sonoras, sem sentido, irreverentes, musicais, gritantes, clandestinas
Essas palavras são coloridos no cinzento da vida
Então atiro-as sobre a mesa, o chão, a cama, os livros, a minha cabeça
Recolho as letras uma por uma, guardo-as numa caixinha prateada que fecho com chave, embrulho-a em cetim violeta e agito com fervor
Pouco importa como elas se vão entender lá dentro porque eu sei que, quando abrir outra vez a caixinha, vou encontrar uma multidão de letras a cantar, a declamar, a saltitar, a sorrir ou simplesmente a conversar
O que fica é a certeza de que as novas palavras que dali vão resultar são fecundas e plenas e me vão fazer sentir completa

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Que importa afinal?

A partir da expressão “Afinal o que importa é…/não é…”, construir diversas frases. Com base nelas, 10 minutos para um texto

Frases:
- Afinal o que importa é continuar, lutar, nunca renunciar;
- Afinal o que importa é nunca parar de desassossegar;
- Afinal o que importa é gritar bem alto que nunca se vai desistir;
- Afinal o que importa não é gritar mas sussurrar e, sussurrando, não desistir;
- Afinal o que importa é nunca proibir porque proibir é palavra feia, vazia de sentimentos, de alma, de contexto;
- Afinal o que importa é não negar que se teve a coragem de fugir;
- Afinal o que importa é que amar não é só verbo de dicionário, mas desejo interior, fluorescente, a pedir para saltar fora do peito;
- E afinal o que importa mesmo, mesmo, é nunca parar de escrever!

Afinal o que importa é não negar que se teve a coragem de fugir, porque a fuga não é nunca negação, é audácia, é ausência de medo, é vontade de ir, ir, ir andando, caminhando, um caminhar de fuga, fugindo de negar! É preciso nunca negar esta vontade, esta urgência de fuga, de fugir, verbo conjugado no presente, de uma intenção de futuro. Fugir não ficou lá atrás, não foi passado, foi salto de agora, foi voar, foi arranhar no presente, tornou-se o próprio presente oferecido em embrulho com laço a propósito. Não negues que fugiste, não vale a pena, a fuga ficou-te bem, reflectiu-te, mostrou-te a coragem, a libertação, foi reflexo de liberdade.
Afinal o que importa é saber fugir, porque fugir sem arte é inglório. Há para tudo um saber e, para a fuga acontecer, um saber de glória. Negar que se foge é cobardia, ausência de grito de guerra, porque gritar que se fugiu é ficar em paz!
Assume que fugiste, que foges sempre, e nunca, nunca, pares de fugir e de clamar, sem negar e com coragem: FUGI!

Reflector de verdades



12 objectos. As histórias que eles nos contam. Uma frase por cada. Um texto
Frases:
- Cabeças vermelhas que se incendeiam ao som e ao ritmo do tango numa colorida rua Argentina
- 5ª feira anda à roda!
- O rato roeu a rolha do rei da Rússia;
- Cortiça ;
- Vontades reprimidas de viagens por cumprir;
- A chave para o teu coração;
- Menino de luz;
- Fita colorida para enlaçar cabelos de menina;
- Um trabalho que já não é meu;
- Reflector de verdades;
- Sem valor;
- Sonho de tantos

Objecto escolhido: um espelho

Entrou naquela viela escura e suja sem ter muito bem noção do tempo ou do espaço. Do bolso saía-lhe um pequeno espelho sem história. Reflector de verdades. Não sabia como tinha ido ali parar. Olhou para ele. Olhou-se nele. O que via não o satisfazia. Velho, de barba por fazer. Era assim que se sentia. Velho. Palavra tão pesada. Quis crer que era engano, mas o objecto que lhe pulava do bolso não dava azo a enganos. Olhou-se de vários ângulos em busca de outra perspectiva, sem saber se buscava outra imagem se outra vida.
De onde chegava agora trazia todas as certezas quanto à condição que o espelho tão bem reflectia. Para onde ia não sabia. Revirou o espelho, mas ele foi implacável. Velho. De barba por fazer. Barba branca, cabelos brancos nas têmporas. Riu-se. Estou tão Velho. A cada nova gargalhada ouvia o eco: Velho, Velho. Respondeu-lhe: de barbas brancas.
Tentou concentrar-se. Onde teria apanhado o espelho? Tê-lo-ia agarrado pensando ser algo valioso? Não, não se lembrava de tal. Sabia bem a resposta mas não queria encará-la. Sabia bem que, de onde viera, era o único objecto que podia trazer consigo porque era o único que lhe poderia dizer a verdade. Aquela verdade inoportuna e incómoda: estava Velho e tinha que dar um rumo à sua vida ainda antes de resolver o problema das barbas brancas. Sabia que tinha agarrado aquele espelho porque ele não lhe mentiria e o obrigaria a dar o passo possível, fuga para a frente, caminho seguinte que deixaria para trás o lugar de onde viera. Sabia que aquele espelho tinha vindo com ele porque a sua decisão estava tomada: amanhã mesmo, passada a noite e saído daquela viela escura e suja, agarraria num outro objecto, um qualquer que o libertasse daquelas barbas brancas de muitos, muitos pêlos que lhe gritavam um por um: Velho, Velho, livra-te de nós!
Sentia-se Velho. Palavra tão pesada!

Chuva de cores


Após pintar livremente uma mandala, 10 minutos para um texto começado por: “Através do caleidoscópio vi…”

Através do caleidoscópio vi uma conjugação de cores. Saltitavam o azul, o amarelo, o verde e o laranja. De qual gostei mais? Como escolher entre uma escolha que se fez? Não escolho. Espreitei outra vez o caleidoscópio. Chovia. Que som tem a chuva? Chuva grossa, chuva contínua. Que cor tem a chuva? Será a chuva água sem sentido, sem cor, sem sabor? A chuva tem nela todas as cores e sabores mas há quem diga que não tem cor. Ou que é incolor. Ou que é transparente. Inconscientes, que não vêm para além da água. Olhei de novo o caleidoscópio. Que vi? Não vi. Um emaranhado de cores girava, rodopiava aos meus olhos que de tanto olharem já rodopiavam também, ao ritmo de um carrocel incessante, ao ritmo de uma chuva imparável, lá fora, crescendo, em sopros de água colorida, com as cores do caleidoscópio. Aos meus olhos o caleidoscópio girava, a chuva caía, a água tomava conta dos meus sentidos, sentidos líquidos de chuva, de uma liquidez transparente, sem cor, mas onde todas as cores se misturam numa alegre harmonia, num perfeito rodopiar em círculos, provocado sempre, sempre pelo rodopiar do meu caleidoscópio.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Farejando palavras


A partir de 12 postais contendo gravuras, e das sensações olfactivas ali sugeridas, construir uma frase por cada imagem. 10 minutos. Um texto

Frases:
- Bagos de amarelo cuidados com amor de pai
- Enrugados de desertos arenosos
- Outono vermelho com searas de pedra
- Procuro á sombra de um Verão, a subir até agarrar frutos caídos de cores de lima e laranja
- Farejando violetas
- Natureza agreste em tapetes de relva e fundos verdejantes
- Mar imenso eternamente à espreita por entre canaviais
- Núcleos vagueando de interiores de papoila
- Aromas saídos dos livros que guardo nas prateleiras junto ao meu forno
- Por mais longas que sejam as minhas pernas, vejo que nunca chegarão ao sol
- Reflexos de limão onde habitam folhagens amareladas
- Pequenos almoços vibrantes em mantas de lã quentinhas

Fechei os olhos e vi-me como sempre: à sombra de um Verão à procura, mas sempre a subir até agarrar frutos caídos de cores de lima e laranja. Não era a primeira vez que me sentia a farejar violetas. Mas por entre bagos amarelos cuidados com amor de pai, eu encontrava com frequência um Outono vermelho por entre searas de pedra. Porquê então aquela eterna sensação de haver uma natureza agreste com tapetes de relva e fundos verdejantes? Em que lugar da minha infância ficou o mar imenso, eternamente à espreita por entre canaviais? Abri os olhos e não senti nada, nada mais via que reflexos de limão. Voltei a fechar os olhos e outra vez aquela impressão de aromas saídos aos tropeções dos livros que guardo nas prateleiras junto ao meu fogão, aquela recordação de pequenos-almoços aconchegantes em mantas de lã quentinhas. Abri de novo os olhos e olhei para cima: sempre aquela sensação de que por mais longas que sejam as minhas pernas, nunca chegarão ao sol.

Aparelhómetros


Sugestões de máquinas ainda por inventar para medir tudo aquilo que a imaginação permitir. Um texto usando um ou mais desses deliciosos aparelhómetros

Aldrabório, amorómetro, apaixonómetro, broncómetro, chulímetro, chulómetro, complicómetro, desesperómetro, estupidómetro, fartómetro, felissómetro, frissómetro, futurómetro, imaginómetro, infinitómetro, irritómetro, mentirímetro, mentómetro, odiómetro, pulguímetro, risómetro, stressómetro, trabalhímetro, zanguímetro

Era unanimemente aceite naquela altura do ano que o Aldrabório era mesmo o aparelho mais usado naquelas bandas. O fim do ano era trágico em qualquer retrosaria, mas no Rei dos Botões gerava um stress acima de qualquer medida. Chegava o dia do inventário e nem o Stressómetro ajudava! Como medir tanto metro de passamanaria, quem aguentava registar tanto botão de tanta cor, para quê ter encomendado ao fornecedor tantos remendos para rasgões na roupa? Só para dar trabalho no dia em que na porta se afixava o letreiro “Fechado para Balanço”!
O contabilista, com o seu Desesperómetro ao rubro, já só roía as unhas e pensava em como teria de accionar rapidamente o Aldrabório para acertar tanta imprecisão nos números que meticulosamente todos registavam. Só o funcionário do corredor do fundo com aquele ar de estarola e aquelas calças horrorosas a chegar aos joelhos, parecia ter activado o Felissómetro e cantarolava despreocupadamente enquanto os seus dedos corriam ágeis sobre papéis cheios de colunas traçadas ao alto.
O patrão, esse, mordia uma grande peça de veludo amarelo matizado enquanto pensava em quantos dias teria ainda que ter aquelas portas fechadas ao público, fazendo contas no seu Trabalhímetro aos prejuízos verificados. Com o Irritómetro e o Zanguímetro a competirem no volume máximo, dirigiu-se ao rapaz, que continuava em alegre cantoria e pediu-lhe satisfações, quase caindo de espanto ao ouvir por resposta:
- Ó chefe, desligue o Complicómetro!

Terminologia

A partir da premissa dada, terminar a frase em ritmo acelerado.

Um dente de cetáceo, polido e pintado
Um marido à espera
Dois corvos e Lisboa à vista
Um policia barrigudo à procura da autoridade
A costureira dos meus sonhos que ainda costura a minha memória
Uma máquina que há muito me substituiu
Um professor, uma sala, um quadro, carteiras, alunos por colegas e estou no paraíso
Um revolver esquecido nas memórias da guerra
Uma criança aos pinotes a roubar guloseimas à avó
Um adepto esquizofrénico à vista
Um conde no alto do seu castelo
Um homem que buscava a paz
Um amante ardente que me calou aos beijos
Um gafanhoto que esvoaçava contra a vidraça
Um malandrão que se atropelava em gigantescas malandrices
Um senhor com inconfessadas vontades de malandrice
Um organista com suas simetrias de dedos e de músicas
Um sujeito que aguardava na esquina
Um cachimbo a exalar fumaças azuladas num ambiente de tango
Dois detidos à porta da liberdade
Um instantinho sem fim
Um octogenário com um saber imenso
Um menino que aprendia por 80 de saber imenso
Um congressista que já não sabia nada
Uma velha com seus encantos
Um inventário que trocou as voltas da certeza numérica

Caminhamos vazios


Um texto a partir de palavras ou expressões do poema "Cavaleiro Monge"

Palavras/Expressões:

Do vale à montanha e da montanha ao monte, fontes, cavalo de sombra, cavaleiro monge, secreto, do vale à montanha, horizontes, por ínvios caminhos, por rios sem pontes, caminhais libertos, sem ninguém que o conte.

Como pode acontecer-nos uma vida e caminharmos vazios? Pontes, ligações, caminhos. Passagens que nos façam acontecer uma vida. Ninguém para assistir, ninguém para contar. Queres que te conte? É secreto. Do vale à montanha e da montanha ao monte encontrei tanto como tu: nada! Nada, estou vazia. Uma vida e caminho vazia. Tu, que caminhas liberto, que encontraste? Que tens para me dar? Sombras? Horizontes? Tu, que andas por rios sem pontes, que vês, que viste, que tens para dar? Caminhos ínvios? Alguém que o conte? Contas as pontes? As vidas? Os horizontes? Ou no teu horizonte só há sombras? Acontece-nos uma vida e nada, só sombras, caminhamos vazios.

Faz-te ouvir!

Após leitura em voz alta de diversos poemas, lidos em diferentes tons por todos ao mesmo tempo num espaço diminuto, numa impressionante cacofonia, autêntico babel de atropelos sonoros, 10 minutos para escrever livremente sobre a experiência.

Palavras que ecoam na mente, gente que ouve e se ouve. Gritos, lamúrias, murmúrios, tons diferentes. Gente que grita ou simplesmente fala baixinho, como se não quisesse que o outro ouvisse. Quão diferentes podem ser as palavras se ditas, lidas, ecoadas. Que eco tem o som? Quem grita mais alto? Quem se faz ouvir? Uma declaração ou um discurso? Queres fazer-te ouvir ou apenas dizer, na simplicidade de fazeres chegar ao outro o que te vai na alma? Pode uma declaração de amor ser gritada e um discurso saído da varanda chegar ao destino num simples murmúrio? Há lamúrias felizes? Fala na tua vez, espera a tua vez para falar, não deixes de dizer, continua, não pares, fala, diz! Que tens para esconder? O que dizes ecoa na eternidade. Faz-te ouvir! Ouve e faz-te ouvir!

Sabes ler na tua mão?

Tendo como referência a própria mão, e ao som de palavras retiradas de um poema, 5 minutos para um texto começado por: Nas linhas da minha mão escrevo…

Palavras:
Alma, areia, as mãos do vento, asa, aves, caminhos, céu-terra-mar, dia, eu estou aqui fechada e não vejo o crescer do luar, florestas verdes, folhagens, luar, luz, miragens, nevoeiro, ondas brancas, ouro, paz, pinheirais, praia, praias nuas, rumor, sangue, sombra, terror, vento, verdade e força do mar, vida inutilmente gasta, vinda

Nas linhas da minha mão escrevo rumores de luar e de areia, escrevo com sangue nas ondas brancas onde antes vi florestas verdes. Nas linhas da minha mão escrevo os caminhos por onde passaram as aves de asas ao vento, de sombras de ouro rematadas nos pinheirais plantados à beira de praias nuas.
Nas linhas da minha mão vejo as mãos do vento por entre miragens de nevoeiro que o terror do dia não conseguiu arredar para longe.
Estou aqui fechada e não vejo o crescer do mar, escrevo com sombras de vidas gastas inutilmente, sem a verdade e a força do mar.
Da trindade céu-terra-mar eu retiro folhagens de um verde lancinante e, então, nas linhas da minha mão eu escrevo paz, vida e alma.

Vou-me embora...


Escrever uma frase iniciada por “Vou-me embora” que será uma mensagem para alguém, a definir. Que contornos terá essa personagem receptora e onde será deixada e encontrada a mensagem? 10 minutos para um texto desse destinatário em reacção à mensagem abandonada

A mensagem, destinada ao namorado e abandonada na almofada ou no espelho da casa de banho, é:

Vou-me embora para casa de meus pais, mas se ao chegar a porta estiver aberta, ou se minha mãe me receber de braços abertos, ou se meu pai me sorrir, podes estar certo que volto para a tua porta escancarada, para o teu olhar descarado e juro que nunca mais me vou embora.

O destinatário escreveu:

Meu amor,
Nunca eu desejei tanto que a porta de casa de teus pais esteja aberta de par em par, que dali venham raios de sol como eu os imagino na doce e cálida Ilha do Sal, ou talvez até na Praia, lembras-te? a Praia, que fica lá em S. Tomé e Príncipe. Meu amor, nunca eu desejei tanto que possas depressa cair nos braços abertos de tua Mãe, que possas ainda mais depressa ver teu Pai sorrir, a sorrir, lembras-te? hoje é dia do Pai, como ele te ia sorrir se daqui fosses embora para junto dele ficar.
Meu amor, agora vejo que tens razão, se na minha almofada cor de cereja que naquela loja ao fundo da rua perpendicular a esta encontrei, só para te agradar, se aí eu encontrar este teu bilhete, a minha porta vou escancarar, o meu olhar descarado percorrerá cada recanto desta ilusão que é ter-te aqui na minha almofada cor de cereja, esta, lembras-te? que comprei só para te agradar, na esperança que teus pais te recebam ternamente para voltares mais depressa para junto de mim e nunca mais te ires embora.
Mas agora, meu amor, agora que penso nisso, apetece-me também eu ir embora para casa de teus pais, sabes? talvez também a mim eles recebessem numa alegria de pulos, porque ir no encalço de teus pais, meu amor, era, vejo agora, uma viagem para junto de ti, para junto de nós, e então, meu amor, também eu nunca mais me ia embora!

Selva urbana

A partir de 12 postais contendo gravuras, construir uma frase por cada imagem e, com base nestas, 10 minutos para um texto.

Frases:
- Selva urbana sem vida à vista;
- Paz interior em tormentas exteriores;
- Se evasão tivera cor, vermelho seria;
- Onde estais Senhor, que te busco e por ti não dou;
- Dourados de oração em texturas de calma relaxante;
- Em busca de uma luz interior em brancos infinitos;
- Projecteis sem alma em verdejante natureza;
- Se me deixassem falar. E expressar. E dizer. E SER!;
- Contrastes!;
- Rugas da natureza onde emerge lentamente a esperança;
- Inocência com formas divergentes;
- Onde estradas são rios sem fundo;

Sentia como nunca aquela urgência de Partir. Partir, Partir! Talvez fugir. Fugir da selva urbana sem vida à vista. Procurava paz, paz interior onde, se evasão tivera cor, vermelho seria, mas tormentas exteriores impediam-na de caminhar com pés de gigante.
Onde estás, Senhor, que te busco e por ti não dou?
Partir, Partir. Partir mais que fugir. Partir em busca de uma luz interior de brancos infinitos. Olhava o mundo e procurava texturas douradas de calma relaxante, projécteis sem alma em verdejantes naturezas.
Ah! Se a deixassem falar! E expressar! E dizer! E SER!
Partia, Partia mais que fugia e chocava-se com contrastes, rugas da natureza de onde emergia lentamente a esperança, onde a inocência parecia ter formas divergentes, onde as estradas eram rios sem fundo e os meninos vigiados não tinham direito à inocência.
E Partia, Partia. Partia mais que fugia.

A brincar às notícias

Depois de criar siglas para colectividades imaginárias, escolher uma delas e durante 5 minutos escrever uma notícia de imprensa acerca de uma imaginária Assembleia dessa colectividade.

COR – Colectividade de Oligarcas Rezingões
CLARO – Clube Luminoso de Amigos Reunidos em Oração
AMAR – Associação Mitológica Altamente Recomendada
ONTEM – Órgãos Naturais Total e Emblematicamente Mentirosos
OSSO – Órgãos Societários Saídos do Olimpo
CANECA – Clube Anterior ao Nascimento da Energia Comum Alternativa

Da Assembleia-geral de ontem da Ontem – Órgãos Naturais Total e Emblematicamente Mentirosos, não resultou, como já era esperado, qualquer novidade. Do conjunto de medidas anunciadas, o Presidente da Associação destacou a necessidade urgente de encontrar novos associados a fim de evitar a extinção da mesma. Aliás, a Assembleia teve que ser adiada três vezes por falta de quórum, pois os membros tardavam em fazer-se anunciar. A enviada especial do nosso jornal, Alexandra Mente-Muito, testemunhou no local a quase desistência de praticamente todos os membros, tendo-se ainda assistido a uma querela entre três dos membros que exigiam a retirada da sala de um outro colega de mentiras, o qual não consideravam digno de pertencer a este prestigiado Clube por falta de carácter.
- É mentira - era o grito mais ouvido ontem na Ontem, exigindo o retorno às boas práticas do Associativismo pelas quais a Ontem sempre se pautou

Um, Dois, Três...Onze, Doze...

Fazer em 5 minutos um texto que contenha em sequência os números de 1 a 12.

1 sonho pode ser partilhado por 2 meninos. Conheci 3 deles que traziam 4 flores na lapela. 5 minutos apenas para fazer este exercício parece-me pouco, vou negociar antes 6 minutos, talvez me venham 7 ideias que depois só tenho que aproveitar bem, talvez me fique alguma delas para os próximos 8 dias e agora me lembro que o dia 9 em que fiz anos já passou e talvez por isso esteja agora intensamente a pensar nos 10 pasteis de nata que já lá vão. Mas 11, onze é que era. Ah, se eu tivesse 11 dias do meu passado poderia trazer de volta, não o sonho do começo, mas 12 sonhos para repartir aos pares com o Cláudio, com a Helena, com a Margarida, com o Carlos, com o Pedro e com a São.

Imagens que nos contam histórias


A partir de doze postais ilustrados, construir uma frase por cada imagem e, com base nestas, fazer um texto em 10 minutos.

Frases:
- Guindastes que se sobrepõem à civilização e nunca sabemos o que lá vem;
- Manta de retalhos com cão lá dentro;
- Amor a preto e branco;
- Infinito vermelho;
- Quem tem medo do lobo mau?
- Três pernas de rã, dois cabelos de dragão, uma língua de mastodonte e pozinhos de perlimpimpim com pétalas de flor;
- Tempere com sal e limão;
- Porque eu sou do meu tamanho e tu não me metes medo;
- Os grandes também podem ser pequenos;
- No teu labirinto;
- Buscando o jantar do Pai Natal;
- Unicórnio;

Estava eu a observar atentamente a cidade e pensava distraidamente em como guindastes se podem sobrepor à civilização e nunca sabemos o que lá vem. Nunca a cidade me parecera tanto uma manta de retalhos com cão lá dentro.
Aproximou-se o Unicórnio. Vinha na sua habitual lamúria:
- Quem tem medo do lobo mau? Quem tem medo do lobo mau?
Fiz-lhe a pergunta costumeira:
- Que procuras?
- O Labirinto. Ou o Infinito Vermelho. Não sei. Nunca me lembro.
Definitivamente sentia que não era dia para aquelas indecisões. Afinal, os grandes também podem ser pequenos.
O Unicórnio fez-se ouvir novamente:
- Vou à procura do jantar do Pai Natal.
- Onde vais procurá-lo?
- Não sei. Talvez junte três pernas de rã, dois cabelos de dragão azul, uma língua de mastodonte e pozinhos de perlimpimpim amassados com pétalas de flores moídas.
Já sem paciência, atirei-lhe:
- Olha, tempera com sal e limão…
Ameaçador, rosnou-me:
- Olha que eu sou do meu tamanho e tu não me metes medo!
Voltei a olhar os guindastes que se erguiam acima da cidade e pensei que nunca poderia sentir por aquele bicho de coração mole mais do que um amor a preto e branco.

A plasticina da minha infância


Tacteando um pedaço de plasticina entre os dedos, escrever livremente durante 10 minutos ao sabor das sensações produzidas por esse tactear

Com um pedaço do teu coração, eu vou amassar um amor com farripas de plasticina. E se esta não chegar, eu vou até ao fim do mundo buscar tanta, tanta, que já não caiba nas minhas mãos, que transborde dos meus dedos, que salte muros, corra ruas, derrube pilares e obstáculos, mas este pedaço do teu coração não vai ser mais pequeno que toda a plasticina que eu encontrar. E ao som da minha música preferida, eu vou amassar entre os meus dedos esse pedaço e vou apertá-lo com tanta, tanta força, que vou dar-lhe mil formas e vai até ficar sem cor, e no fim já não sabemos se são os meus dedos que te roubaram a cor ou se a cor da tua plasticina quis ficar agarrada aos meus dedos para deles ser uma parte ou um todo, e com eles se confundir.
Com um pedaço do teu coração eu vou construir um amor maior que toda a plasticina que há no mundo.

Gosto ou não gosto?

Gosto
- de chávenas de chocolate quente que bebo em sítios quentinhos, de preferência envidraçados, enquanto o frio e a chuva passeiam lá fora.
- de ânforas e ampulhetas e não sei porquê: são dois objectos que me encantam mas nunca percebi se tem alguma relação com a minha personalidade
- de livros que me falem de pessoas, livros escritos por pessoas, com pessoas, para pessoas, sobre pessoas
- conversar, conversas que me digam algo, sendo que este algo pode variar muito, conforme o momento, o estado de espírito, o interlocutor, o…
- de ficar na cama nos Domingos de manhã com o meu livro na mão e o sol lá fora a espreitar na janela
- de ir para a praia no pico do Verão nas horas proibidas só para ter um desculpa para ficar no bar com um café ou uma bebida fresquinha, sozinha com a minha leitura
- de comprar bijouterias coloridas e volumosas que me dêem a sensação de me apresentar alegre todo o dia
- de estar sozinha, rodeada de pessoas e com tempo para observá-las, escutar o que me dizem e sentir porque são diferentes
- de escrever, porque sim!

Não gosto
- de andar perdida em trânsitos intermináveis quando há tanta coisa para fazer e tão pouco tempo.
- de espaços fechados, com muita gente lá dentro, onde me sinto sem ar.
- de acordar e saber que são horas de levantar
- de pagar contas porque me apetece sempre desviar aquele dinheiro para outros lados mais prazenteiros
- de discussões com pessoas de quem gosto
- de sapatos que me apertam os pés e fazem doer os dedos porque o caminho faz-se caminhando e é preciso conforto para caminhar
- que tentem apressar-me nas minhas tarefas porque fico nervosa e impaciente
- que falte a luz porque detesto a escuridão e gosto de ver tudo iluminado à minha volta
- de pessoas que falam muito alto porque me irritam os sons estridentes
- das minhas aulas de hidroginástica porque não gosto de me mexer e só lá vou porque o médico é chato e mesmo assim estou sempre a ver se tenho hoje uma desculpa para não ir

Que acontece quando escreves?


Partindo do pressuposto de que escrevendo determinada palavra algo acontece, criar 12 frases. A partir daí, 10 minutos para um texto

Frases:
- Escrevi a palavra frio e logo me achei num frigorífico;
- Escrevi a palavra carro e um carrossel maluco começou a correr na minha direcção;
- Escrevi a palavra lápis e a minha mão nunca mais encontrou descanso;
- Escrevi a palavra cor e arco-íris enormes formaram um gigantesco céu colorido;
- Escrevi a palavra vida e o meu sangue desatou a correr, fugindo-me das veias e inundando montes e vales;
- Escrevi a palavra passe-vite e fui atropelada por gigantescos livros de culinária;
- Escrevi a palavra criança e vi-me de novo junto ao mar;
- Escrevi a palavra jardim e nunca as flores me pareceram tão belas;
- Escrevi a palavra avó e um aconchego de saudade tocou-me o coração;
- Escrevi a palavra amigo e senti-me perseguida por fortes cores de conforto na alma;
- Escrevi a palavra escrever e a minha vida cresceu como um balão e subiu até tocar os raios do sol e explodir em inúmeras partículas de alegria

Ainda ontem estava eu na janela da casa amarela que fica ao fundo do quintal da minha avó, lá junto à casa dos caseiros, quando a D. Balbina, que há mais de 50 anos é a habitante privilegiada dessa casa que sempre mencionamos no plural mas deveríamos pronunciar no feminino e no singular (caseira), a D. Balbina, dizia eu, quase me abalroava numa pressa irracional perguntando esbaforida a tudo o que à volta dela se mexia:
- Viram o meu passe-vite? Viram o meu passe-vite? O menino está a chegar e o almoço para aprontar. Viram o meu passe-vite?
O menino era o meu pai, quase da idade da nossa Balbina, mas eternamente baptizado “o menino”. Que seria eu então? Um bebé insignificante, com toda a certeza!
Foi nessa aflição da Balbina que me lembrei de um exercício que nos era muito aconselhado nas aulas de criatividade de um curso feito há muitos anos, mais por gozo do que por interesse: “se escreverem com muito fervor, o vosso desejo concretiza-se”.
Sem caneta por perto, peguei então numa pena de um pato que por ali andava, molhei-a em chocolate que derreti num microondas improvavelmente ali colocado e desatei a escrever. Parece-me que a Balbina ainda não me perdoou: é que quando escrevi a palavra passe-vite, fomos, eu e ela, atropeladas furiosamente por gigantescos livros de culinária saídos sabe-se lá de onde!

Mensagens misteriosas...

A partir de palavras recortadas de jornais, construir uma frase. Tratando esta frase como uma mensagem recebida, fazer um texto em 10 minutos.

Palavras recortadas:
Saldos
Vozes
Feliz
Cidade
Aqui
Igreja
Teatro
Acabamentos
Montalegre
Até 28 de Fevereiro

Mensagem
Aqui, na cidade de Montalegre, vozes vindas do interior do teatro, fazem antever que está já em fase de acabamentos a feliz época de saldos que terão lugar na igreja até 28 de Fevereiro.

Quando recebi esta mensagem não me apercebi de imediato do seu alcance. Ingenuamente, pensei que era uma inocente informação acerca de uns saldos, que, seguindo velhas estratégias comerciais, pretendiam anunciar de forma bizarra os saldos que mais uma vez tentavam despachar para as mãos de distraídos como eu tudo o que já não tem lugar em lugares tão inóspitos como igrejas.
Segui o meu caminho e foi só quando já estava a pôr à boca a primeira colher de uma coisa que me disseram no snack ser uma sopa, mas que eu achei demasiado amarela para poder ser ingerida sem perigo, foi nesse exacto instante, quando a palavra perigo assomou á minha mente, que vozes de alarme soaram na minha cabeça e a suspeita nasceu: não, aquela frase no cartaz da junta de freguesia do bairro Vida Alegre da minha cidade de Montalegre era certamente uma mensagem encriptada, ali colocada por alguém de forma a fornecer pistas a outro alguém. Afinal, quem se lembraria de fazer saldos numa igreja que ainda por cima estariam a ser ultimados num teatro, o nosso amado teatro Montalegrense? Não, ali havia coisa…
Decidida, resolvi partir em busca de pistas. Foi então que…

Palavras coloridas e palavras sem cor


A partir de um pequeno passeio pedestre e pensando em palavras coloridas e palavras sem cor, fazer dois textos.

Num banco de jardim uma criança brincava com um carrinho longe de pensar que o peluche que segurava no colo tinha vindo de uma daquelas montras. Como o diamante que a avó ostentava no colar que lhe compunha o pescoço. Distraída, balanceava o olhar entre os saldos que saltavam de vidros convidativos e as varandas que ocultavam vidas interiores para lá de paredes. Olhou então para o relógio, assustou-se e quase gritou:
- Carolina, vem já comer a tua salada de frutas!
- Não quero. Tem laranja que não combina com o meu casaco grenat. Quero antes aquela gelatina!
Impaciente com a petulância da garota, a avó olhou para a montra que ela apontava e dedicou-se a pensar como tudo seria mais fácil se as montras da cidade não prometessem tantos atractivos aos miúdo, sem reparar que havia sido numa daquelas montras que se apaixonara pelo diamante que agora lhe pesava no pescoço e do qual nunca mais se apartara.


Semáforos. Passadeiras. Gente apressada. Polícias. Gente que puxa por notas para pagar o que não vai precisar. Cortinas. Gente que se esconde para lá da sua vida. Dejectos. Lixo. Resíduos que se acumulam nas pedras da calçada. Gente que espera na escuridão por uma sopa. Noite. Preto. Breu. Gente que espreita de marquises cinzentas. Carros. Trânsito. Gente que corre. Palavras sem sentido outrora. Stress. Vida apressada. Desamor.

Onde até os peixes voam


A partir de 15 postais contendo pinturas, contruir frases e, com base nestas, um texto em 10 minutos.

Frases:
- Peixes voadores são uma inspiração para cálidas tardes de Verão com gato à espreita;
- Profusão de cores sem ordem também é arte;
- É da pluralidade que nasce a diversidade;
- O sofrimento e a esperança caminham frequentemente lado a lado;
- Há alegria no ar quando moinhos de vento se confundem com chupa-chupas de crianças;
- Há flores aprisionadas em jarras que imploram por explorar o mundo;
- Frutos escravizados sobre homens derrubados que fazem tremer mulheres;
- Nada está perdido no mundo quando me encontro com peixes voadores vermelhos que saltam alegremente de antigas caixas de correio ainda mais vermelhas;
- A noite que cresce sobre as estrelas caindo sob gente que ainda não esqueceu o sol de há momentos;
- Porque tentam os homens imitar em esquadria estrelas que brotam naturalmente do empedrado das ruas?
- As mil e uma noites recontadas numa outra perspectiva como só ele sabe;
- Esperança e ainda vida numa jangada em almas à deriva de sentimentos;
- Como posso apreciar o que me transcende e eu não compreendo? Como encontrar arte onde só vejo velas de barquinhos em mar de Verão?
- Paleta de cores como as da minha infância onde havia todas as cores que há no mundo;
- Um universo feminino que se ergue para lá da minha aldeia;

Há todo um universo feminino que se ergue para lá da minha aldeia. Gatos espreitam. Peixes voadores podem ser vermelhos. O vermelho pode também ser a cor de caixas de correio antigas de onde saem em alegre correria os peixes voadores. A vida na minha aldeia, de onde espreitam gatos, saltam peixes que voam atrás de cartas, selos, carteiros, pode ser uma inspiração para cálidas tardes de Verão.
Há flores aprisionadas em jarras que imploram por explorar o mundo. Nesse mundo, há homens que imitam inutilmente estrelas em esquadria porque não sabem que há estrelas que saltam dos mares e esperam por nós à porta, no empedrado das ruas.
Há alegria no ar quando moinhos de vento se confundem com chupa-chupas de crianças, crianças vestidas com paletas de cor que fazem sonhar, sonhos que me fazem acreditar que peixes voadores vermelhos virão perseguir-me em cálidas tardes de Verão cheias de sol, sóis amarelos que reflectem sorrisos, sorrisos descarados que saltam para o empedrado das ruas e já não cabem nas vielas da minha aldeia e tomam as cidades, os mares, os ares e vão para lá, para lá da minha aldeia, através do universo feminino, por onde tudo isto começou.

Brincando com números

Escrever um texto a partir de um qualquer número

Três é a conta que Deus fez
Três flores para repartir
Três letras para mãe
Três letras para pai
Três letras para avó
Três letras para avô
Três palavras para amar [eu te amo]
Três ideias mágicas para começar
Três ovos para estrelar
Três estrelas para admirar
Três oceanos para navegar
Três continentes para cruzar
Três portas para atravessar
Três janelas para abrir
Três muros para saltar
Três pilares para derrubar
Três saias para vestir
Três anéis para adornar
Três canetas para escrever
Três lápis para anotar
Três beijos para roubar
Três cabelos para desalinhar
Três canções para ouvir
Três instrumentos para tocar
Três notas de musica para soltar
Três maçãs para comer
Três é a conta que Deus fez
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