sábado, 26 de abril de 2008

Palavras soltas


A partir da premissa dada (em destaque), fazer um texto

Gosto das palavras soltas, livres, sonoras, sem sentido, irreverentes, musicais, gritantes, clandestinas
Essas palavras são coloridos no cinzento da vida
Então atiro-as sobre a mesa, o chão, a cama, os livros, a minha cabeça
Recolho as letras uma por uma, guardo-as numa caixinha prateada que fecho com chave, embrulho-a em cetim violeta e agito com fervor
Pouco importa como elas se vão entender lá dentro porque eu sei que, quando abrir outra vez a caixinha, vou encontrar uma multidão de letras a cantar, a declamar, a saltitar, a sorrir ou simplesmente a conversar
O que fica é a certeza de que as novas palavras que dali vão resultar são fecundas e plenas e me vão fazer sentir completa

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Que importa afinal?

A partir da expressão “Afinal o que importa é…/não é…”, construir diversas frases. Com base nelas, 10 minutos para um texto

Frases:
- Afinal o que importa é continuar, lutar, nunca renunciar;
- Afinal o que importa é nunca parar de desassossegar;
- Afinal o que importa é gritar bem alto que nunca se vai desistir;
- Afinal o que importa não é gritar mas sussurrar e, sussurrando, não desistir;
- Afinal o que importa é nunca proibir porque proibir é palavra feia, vazia de sentimentos, de alma, de contexto;
- Afinal o que importa é não negar que se teve a coragem de fugir;
- Afinal o que importa é que amar não é só verbo de dicionário, mas desejo interior, fluorescente, a pedir para saltar fora do peito;
- E afinal o que importa mesmo, mesmo, é nunca parar de escrever!

Afinal o que importa é não negar que se teve a coragem de fugir, porque a fuga não é nunca negação, é audácia, é ausência de medo, é vontade de ir, ir, ir andando, caminhando, um caminhar de fuga, fugindo de negar! É preciso nunca negar esta vontade, esta urgência de fuga, de fugir, verbo conjugado no presente, de uma intenção de futuro. Fugir não ficou lá atrás, não foi passado, foi salto de agora, foi voar, foi arranhar no presente, tornou-se o próprio presente oferecido em embrulho com laço a propósito. Não negues que fugiste, não vale a pena, a fuga ficou-te bem, reflectiu-te, mostrou-te a coragem, a libertação, foi reflexo de liberdade.
Afinal o que importa é saber fugir, porque fugir sem arte é inglório. Há para tudo um saber e, para a fuga acontecer, um saber de glória. Negar que se foge é cobardia, ausência de grito de guerra, porque gritar que se fugiu é ficar em paz!
Assume que fugiste, que foges sempre, e nunca, nunca, pares de fugir e de clamar, sem negar e com coragem: FUGI!

Reflector de verdades



12 objectos. As histórias que eles nos contam. Uma frase por cada. Um texto
Frases:
- Cabeças vermelhas que se incendeiam ao som e ao ritmo do tango numa colorida rua Argentina
- 5ª feira anda à roda!
- O rato roeu a rolha do rei da Rússia;
- Cortiça ;
- Vontades reprimidas de viagens por cumprir;
- A chave para o teu coração;
- Menino de luz;
- Fita colorida para enlaçar cabelos de menina;
- Um trabalho que já não é meu;
- Reflector de verdades;
- Sem valor;
- Sonho de tantos

Objecto escolhido: um espelho

Entrou naquela viela escura e suja sem ter muito bem noção do tempo ou do espaço. Do bolso saía-lhe um pequeno espelho sem história. Reflector de verdades. Não sabia como tinha ido ali parar. Olhou para ele. Olhou-se nele. O que via não o satisfazia. Velho, de barba por fazer. Era assim que se sentia. Velho. Palavra tão pesada. Quis crer que era engano, mas o objecto que lhe pulava do bolso não dava azo a enganos. Olhou-se de vários ângulos em busca de outra perspectiva, sem saber se buscava outra imagem se outra vida.
De onde chegava agora trazia todas as certezas quanto à condição que o espelho tão bem reflectia. Para onde ia não sabia. Revirou o espelho, mas ele foi implacável. Velho. De barba por fazer. Barba branca, cabelos brancos nas têmporas. Riu-se. Estou tão Velho. A cada nova gargalhada ouvia o eco: Velho, Velho. Respondeu-lhe: de barbas brancas.
Tentou concentrar-se. Onde teria apanhado o espelho? Tê-lo-ia agarrado pensando ser algo valioso? Não, não se lembrava de tal. Sabia bem a resposta mas não queria encará-la. Sabia bem que, de onde viera, era o único objecto que podia trazer consigo porque era o único que lhe poderia dizer a verdade. Aquela verdade inoportuna e incómoda: estava Velho e tinha que dar um rumo à sua vida ainda antes de resolver o problema das barbas brancas. Sabia que tinha agarrado aquele espelho porque ele não lhe mentiria e o obrigaria a dar o passo possível, fuga para a frente, caminho seguinte que deixaria para trás o lugar de onde viera. Sabia que aquele espelho tinha vindo com ele porque a sua decisão estava tomada: amanhã mesmo, passada a noite e saído daquela viela escura e suja, agarraria num outro objecto, um qualquer que o libertasse daquelas barbas brancas de muitos, muitos pêlos que lhe gritavam um por um: Velho, Velho, livra-te de nós!
Sentia-se Velho. Palavra tão pesada!

Chuva de cores


Após pintar livremente uma mandala, 10 minutos para um texto começado por: “Através do caleidoscópio vi…”

Através do caleidoscópio vi uma conjugação de cores. Saltitavam o azul, o amarelo, o verde e o laranja. De qual gostei mais? Como escolher entre uma escolha que se fez? Não escolho. Espreitei outra vez o caleidoscópio. Chovia. Que som tem a chuva? Chuva grossa, chuva contínua. Que cor tem a chuva? Será a chuva água sem sentido, sem cor, sem sabor? A chuva tem nela todas as cores e sabores mas há quem diga que não tem cor. Ou que é incolor. Ou que é transparente. Inconscientes, que não vêm para além da água. Olhei de novo o caleidoscópio. Que vi? Não vi. Um emaranhado de cores girava, rodopiava aos meus olhos que de tanto olharem já rodopiavam também, ao ritmo de um carrocel incessante, ao ritmo de uma chuva imparável, lá fora, crescendo, em sopros de água colorida, com as cores do caleidoscópio. Aos meus olhos o caleidoscópio girava, a chuva caía, a água tomava conta dos meus sentidos, sentidos líquidos de chuva, de uma liquidez transparente, sem cor, mas onde todas as cores se misturam numa alegre harmonia, num perfeito rodopiar em círculos, provocado sempre, sempre pelo rodopiar do meu caleidoscópio.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Farejando palavras


A partir de 12 postais contendo gravuras, e das sensações olfactivas ali sugeridas, construir uma frase por cada imagem. 10 minutos. Um texto

Frases:
- Bagos de amarelo cuidados com amor de pai
- Enrugados de desertos arenosos
- Outono vermelho com searas de pedra
- Procuro á sombra de um Verão, a subir até agarrar frutos caídos de cores de lima e laranja
- Farejando violetas
- Natureza agreste em tapetes de relva e fundos verdejantes
- Mar imenso eternamente à espreita por entre canaviais
- Núcleos vagueando de interiores de papoila
- Aromas saídos dos livros que guardo nas prateleiras junto ao meu forno
- Por mais longas que sejam as minhas pernas, vejo que nunca chegarão ao sol
- Reflexos de limão onde habitam folhagens amareladas
- Pequenos almoços vibrantes em mantas de lã quentinhas

Fechei os olhos e vi-me como sempre: à sombra de um Verão à procura, mas sempre a subir até agarrar frutos caídos de cores de lima e laranja. Não era a primeira vez que me sentia a farejar violetas. Mas por entre bagos amarelos cuidados com amor de pai, eu encontrava com frequência um Outono vermelho por entre searas de pedra. Porquê então aquela eterna sensação de haver uma natureza agreste com tapetes de relva e fundos verdejantes? Em que lugar da minha infância ficou o mar imenso, eternamente à espreita por entre canaviais? Abri os olhos e não senti nada, nada mais via que reflexos de limão. Voltei a fechar os olhos e outra vez aquela impressão de aromas saídos aos tropeções dos livros que guardo nas prateleiras junto ao meu fogão, aquela recordação de pequenos-almoços aconchegantes em mantas de lã quentinhas. Abri de novo os olhos e olhei para cima: sempre aquela sensação de que por mais longas que sejam as minhas pernas, nunca chegarão ao sol.

Aparelhómetros


Sugestões de máquinas ainda por inventar para medir tudo aquilo que a imaginação permitir. Um texto usando um ou mais desses deliciosos aparelhómetros

Aldrabório, amorómetro, apaixonómetro, broncómetro, chulímetro, chulómetro, complicómetro, desesperómetro, estupidómetro, fartómetro, felissómetro, frissómetro, futurómetro, imaginómetro, infinitómetro, irritómetro, mentirímetro, mentómetro, odiómetro, pulguímetro, risómetro, stressómetro, trabalhímetro, zanguímetro

Era unanimemente aceite naquela altura do ano que o Aldrabório era mesmo o aparelho mais usado naquelas bandas. O fim do ano era trágico em qualquer retrosaria, mas no Rei dos Botões gerava um stress acima de qualquer medida. Chegava o dia do inventário e nem o Stressómetro ajudava! Como medir tanto metro de passamanaria, quem aguentava registar tanto botão de tanta cor, para quê ter encomendado ao fornecedor tantos remendos para rasgões na roupa? Só para dar trabalho no dia em que na porta se afixava o letreiro “Fechado para Balanço”!
O contabilista, com o seu Desesperómetro ao rubro, já só roía as unhas e pensava em como teria de accionar rapidamente o Aldrabório para acertar tanta imprecisão nos números que meticulosamente todos registavam. Só o funcionário do corredor do fundo com aquele ar de estarola e aquelas calças horrorosas a chegar aos joelhos, parecia ter activado o Felissómetro e cantarolava despreocupadamente enquanto os seus dedos corriam ágeis sobre papéis cheios de colunas traçadas ao alto.
O patrão, esse, mordia uma grande peça de veludo amarelo matizado enquanto pensava em quantos dias teria ainda que ter aquelas portas fechadas ao público, fazendo contas no seu Trabalhímetro aos prejuízos verificados. Com o Irritómetro e o Zanguímetro a competirem no volume máximo, dirigiu-se ao rapaz, que continuava em alegre cantoria e pediu-lhe satisfações, quase caindo de espanto ao ouvir por resposta:
- Ó chefe, desligue o Complicómetro!

Terminologia

A partir da premissa dada, terminar a frase em ritmo acelerado.

Um dente de cetáceo, polido e pintado
Um marido à espera
Dois corvos e Lisboa à vista
Um policia barrigudo à procura da autoridade
A costureira dos meus sonhos que ainda costura a minha memória
Uma máquina que há muito me substituiu
Um professor, uma sala, um quadro, carteiras, alunos por colegas e estou no paraíso
Um revolver esquecido nas memórias da guerra
Uma criança aos pinotes a roubar guloseimas à avó
Um adepto esquizofrénico à vista
Um conde no alto do seu castelo
Um homem que buscava a paz
Um amante ardente que me calou aos beijos
Um gafanhoto que esvoaçava contra a vidraça
Um malandrão que se atropelava em gigantescas malandrices
Um senhor com inconfessadas vontades de malandrice
Um organista com suas simetrias de dedos e de músicas
Um sujeito que aguardava na esquina
Um cachimbo a exalar fumaças azuladas num ambiente de tango
Dois detidos à porta da liberdade
Um instantinho sem fim
Um octogenário com um saber imenso
Um menino que aprendia por 80 de saber imenso
Um congressista que já não sabia nada
Uma velha com seus encantos
Um inventário que trocou as voltas da certeza numérica

Caminhamos vazios


Um texto a partir de palavras ou expressões do poema "Cavaleiro Monge"

Palavras/Expressões:

Do vale à montanha e da montanha ao monte, fontes, cavalo de sombra, cavaleiro monge, secreto, do vale à montanha, horizontes, por ínvios caminhos, por rios sem pontes, caminhais libertos, sem ninguém que o conte.

Como pode acontecer-nos uma vida e caminharmos vazios? Pontes, ligações, caminhos. Passagens que nos façam acontecer uma vida. Ninguém para assistir, ninguém para contar. Queres que te conte? É secreto. Do vale à montanha e da montanha ao monte encontrei tanto como tu: nada! Nada, estou vazia. Uma vida e caminho vazia. Tu, que caminhas liberto, que encontraste? Que tens para me dar? Sombras? Horizontes? Tu, que andas por rios sem pontes, que vês, que viste, que tens para dar? Caminhos ínvios? Alguém que o conte? Contas as pontes? As vidas? Os horizontes? Ou no teu horizonte só há sombras? Acontece-nos uma vida e nada, só sombras, caminhamos vazios.

Faz-te ouvir!

Após leitura em voz alta de diversos poemas, lidos em diferentes tons por todos ao mesmo tempo num espaço diminuto, numa impressionante cacofonia, autêntico babel de atropelos sonoros, 10 minutos para escrever livremente sobre a experiência.

Palavras que ecoam na mente, gente que ouve e se ouve. Gritos, lamúrias, murmúrios, tons diferentes. Gente que grita ou simplesmente fala baixinho, como se não quisesse que o outro ouvisse. Quão diferentes podem ser as palavras se ditas, lidas, ecoadas. Que eco tem o som? Quem grita mais alto? Quem se faz ouvir? Uma declaração ou um discurso? Queres fazer-te ouvir ou apenas dizer, na simplicidade de fazeres chegar ao outro o que te vai na alma? Pode uma declaração de amor ser gritada e um discurso saído da varanda chegar ao destino num simples murmúrio? Há lamúrias felizes? Fala na tua vez, espera a tua vez para falar, não deixes de dizer, continua, não pares, fala, diz! Que tens para esconder? O que dizes ecoa na eternidade. Faz-te ouvir! Ouve e faz-te ouvir!

Sabes ler na tua mão?

Tendo como referência a própria mão, e ao som de palavras retiradas de um poema, 5 minutos para um texto começado por: Nas linhas da minha mão escrevo…

Palavras:
Alma, areia, as mãos do vento, asa, aves, caminhos, céu-terra-mar, dia, eu estou aqui fechada e não vejo o crescer do luar, florestas verdes, folhagens, luar, luz, miragens, nevoeiro, ondas brancas, ouro, paz, pinheirais, praia, praias nuas, rumor, sangue, sombra, terror, vento, verdade e força do mar, vida inutilmente gasta, vinda

Nas linhas da minha mão escrevo rumores de luar e de areia, escrevo com sangue nas ondas brancas onde antes vi florestas verdes. Nas linhas da minha mão escrevo os caminhos por onde passaram as aves de asas ao vento, de sombras de ouro rematadas nos pinheirais plantados à beira de praias nuas.
Nas linhas da minha mão vejo as mãos do vento por entre miragens de nevoeiro que o terror do dia não conseguiu arredar para longe.
Estou aqui fechada e não vejo o crescer do mar, escrevo com sombras de vidas gastas inutilmente, sem a verdade e a força do mar.
Da trindade céu-terra-mar eu retiro folhagens de um verde lancinante e, então, nas linhas da minha mão eu escrevo paz, vida e alma.

Vou-me embora...


Escrever uma frase iniciada por “Vou-me embora” que será uma mensagem para alguém, a definir. Que contornos terá essa personagem receptora e onde será deixada e encontrada a mensagem? 10 minutos para um texto desse destinatário em reacção à mensagem abandonada

A mensagem, destinada ao namorado e abandonada na almofada ou no espelho da casa de banho, é:

Vou-me embora para casa de meus pais, mas se ao chegar a porta estiver aberta, ou se minha mãe me receber de braços abertos, ou se meu pai me sorrir, podes estar certo que volto para a tua porta escancarada, para o teu olhar descarado e juro que nunca mais me vou embora.

O destinatário escreveu:

Meu amor,
Nunca eu desejei tanto que a porta de casa de teus pais esteja aberta de par em par, que dali venham raios de sol como eu os imagino na doce e cálida Ilha do Sal, ou talvez até na Praia, lembras-te? a Praia, que fica lá em S. Tomé e Príncipe. Meu amor, nunca eu desejei tanto que possas depressa cair nos braços abertos de tua Mãe, que possas ainda mais depressa ver teu Pai sorrir, a sorrir, lembras-te? hoje é dia do Pai, como ele te ia sorrir se daqui fosses embora para junto dele ficar.
Meu amor, agora vejo que tens razão, se na minha almofada cor de cereja que naquela loja ao fundo da rua perpendicular a esta encontrei, só para te agradar, se aí eu encontrar este teu bilhete, a minha porta vou escancarar, o meu olhar descarado percorrerá cada recanto desta ilusão que é ter-te aqui na minha almofada cor de cereja, esta, lembras-te? que comprei só para te agradar, na esperança que teus pais te recebam ternamente para voltares mais depressa para junto de mim e nunca mais te ires embora.
Mas agora, meu amor, agora que penso nisso, apetece-me também eu ir embora para casa de teus pais, sabes? talvez também a mim eles recebessem numa alegria de pulos, porque ir no encalço de teus pais, meu amor, era, vejo agora, uma viagem para junto de ti, para junto de nós, e então, meu amor, também eu nunca mais me ia embora!

Selva urbana

A partir de 12 postais contendo gravuras, construir uma frase por cada imagem e, com base nestas, 10 minutos para um texto.

Frases:
- Selva urbana sem vida à vista;
- Paz interior em tormentas exteriores;
- Se evasão tivera cor, vermelho seria;
- Onde estais Senhor, que te busco e por ti não dou;
- Dourados de oração em texturas de calma relaxante;
- Em busca de uma luz interior em brancos infinitos;
- Projecteis sem alma em verdejante natureza;
- Se me deixassem falar. E expressar. E dizer. E SER!;
- Contrastes!;
- Rugas da natureza onde emerge lentamente a esperança;
- Inocência com formas divergentes;
- Onde estradas são rios sem fundo;

Sentia como nunca aquela urgência de Partir. Partir, Partir! Talvez fugir. Fugir da selva urbana sem vida à vista. Procurava paz, paz interior onde, se evasão tivera cor, vermelho seria, mas tormentas exteriores impediam-na de caminhar com pés de gigante.
Onde estás, Senhor, que te busco e por ti não dou?
Partir, Partir. Partir mais que fugir. Partir em busca de uma luz interior de brancos infinitos. Olhava o mundo e procurava texturas douradas de calma relaxante, projécteis sem alma em verdejantes naturezas.
Ah! Se a deixassem falar! E expressar! E dizer! E SER!
Partia, Partia mais que fugia e chocava-se com contrastes, rugas da natureza de onde emergia lentamente a esperança, onde a inocência parecia ter formas divergentes, onde as estradas eram rios sem fundo e os meninos vigiados não tinham direito à inocência.
E Partia, Partia. Partia mais que fugia.

A brincar às notícias

Depois de criar siglas para colectividades imaginárias, escolher uma delas e durante 5 minutos escrever uma notícia de imprensa acerca de uma imaginária Assembleia dessa colectividade.

COR – Colectividade de Oligarcas Rezingões
CLARO – Clube Luminoso de Amigos Reunidos em Oração
AMAR – Associação Mitológica Altamente Recomendada
ONTEM – Órgãos Naturais Total e Emblematicamente Mentirosos
OSSO – Órgãos Societários Saídos do Olimpo
CANECA – Clube Anterior ao Nascimento da Energia Comum Alternativa

Da Assembleia-geral de ontem da Ontem – Órgãos Naturais Total e Emblematicamente Mentirosos, não resultou, como já era esperado, qualquer novidade. Do conjunto de medidas anunciadas, o Presidente da Associação destacou a necessidade urgente de encontrar novos associados a fim de evitar a extinção da mesma. Aliás, a Assembleia teve que ser adiada três vezes por falta de quórum, pois os membros tardavam em fazer-se anunciar. A enviada especial do nosso jornal, Alexandra Mente-Muito, testemunhou no local a quase desistência de praticamente todos os membros, tendo-se ainda assistido a uma querela entre três dos membros que exigiam a retirada da sala de um outro colega de mentiras, o qual não consideravam digno de pertencer a este prestigiado Clube por falta de carácter.
- É mentira - era o grito mais ouvido ontem na Ontem, exigindo o retorno às boas práticas do Associativismo pelas quais a Ontem sempre se pautou

Um, Dois, Três...Onze, Doze...

Fazer em 5 minutos um texto que contenha em sequência os números de 1 a 12.

1 sonho pode ser partilhado por 2 meninos. Conheci 3 deles que traziam 4 flores na lapela. 5 minutos apenas para fazer este exercício parece-me pouco, vou negociar antes 6 minutos, talvez me venham 7 ideias que depois só tenho que aproveitar bem, talvez me fique alguma delas para os próximos 8 dias e agora me lembro que o dia 9 em que fiz anos já passou e talvez por isso esteja agora intensamente a pensar nos 10 pasteis de nata que já lá vão. Mas 11, onze é que era. Ah, se eu tivesse 11 dias do meu passado poderia trazer de volta, não o sonho do começo, mas 12 sonhos para repartir aos pares com o Cláudio, com a Helena, com a Margarida, com o Carlos, com o Pedro e com a São.

Imagens que nos contam histórias


A partir de doze postais ilustrados, construir uma frase por cada imagem e, com base nestas, fazer um texto em 10 minutos.

Frases:
- Guindastes que se sobrepõem à civilização e nunca sabemos o que lá vem;
- Manta de retalhos com cão lá dentro;
- Amor a preto e branco;
- Infinito vermelho;
- Quem tem medo do lobo mau?
- Três pernas de rã, dois cabelos de dragão, uma língua de mastodonte e pozinhos de perlimpimpim com pétalas de flor;
- Tempere com sal e limão;
- Porque eu sou do meu tamanho e tu não me metes medo;
- Os grandes também podem ser pequenos;
- No teu labirinto;
- Buscando o jantar do Pai Natal;
- Unicórnio;

Estava eu a observar atentamente a cidade e pensava distraidamente em como guindastes se podem sobrepor à civilização e nunca sabemos o que lá vem. Nunca a cidade me parecera tanto uma manta de retalhos com cão lá dentro.
Aproximou-se o Unicórnio. Vinha na sua habitual lamúria:
- Quem tem medo do lobo mau? Quem tem medo do lobo mau?
Fiz-lhe a pergunta costumeira:
- Que procuras?
- O Labirinto. Ou o Infinito Vermelho. Não sei. Nunca me lembro.
Definitivamente sentia que não era dia para aquelas indecisões. Afinal, os grandes também podem ser pequenos.
O Unicórnio fez-se ouvir novamente:
- Vou à procura do jantar do Pai Natal.
- Onde vais procurá-lo?
- Não sei. Talvez junte três pernas de rã, dois cabelos de dragão azul, uma língua de mastodonte e pozinhos de perlimpimpim amassados com pétalas de flores moídas.
Já sem paciência, atirei-lhe:
- Olha, tempera com sal e limão…
Ameaçador, rosnou-me:
- Olha que eu sou do meu tamanho e tu não me metes medo!
Voltei a olhar os guindastes que se erguiam acima da cidade e pensei que nunca poderia sentir por aquele bicho de coração mole mais do que um amor a preto e branco.

A plasticina da minha infância


Tacteando um pedaço de plasticina entre os dedos, escrever livremente durante 10 minutos ao sabor das sensações produzidas por esse tactear

Com um pedaço do teu coração, eu vou amassar um amor com farripas de plasticina. E se esta não chegar, eu vou até ao fim do mundo buscar tanta, tanta, que já não caiba nas minhas mãos, que transborde dos meus dedos, que salte muros, corra ruas, derrube pilares e obstáculos, mas este pedaço do teu coração não vai ser mais pequeno que toda a plasticina que eu encontrar. E ao som da minha música preferida, eu vou amassar entre os meus dedos esse pedaço e vou apertá-lo com tanta, tanta força, que vou dar-lhe mil formas e vai até ficar sem cor, e no fim já não sabemos se são os meus dedos que te roubaram a cor ou se a cor da tua plasticina quis ficar agarrada aos meus dedos para deles ser uma parte ou um todo, e com eles se confundir.
Com um pedaço do teu coração eu vou construir um amor maior que toda a plasticina que há no mundo.

Gosto ou não gosto?

Gosto
- de chávenas de chocolate quente que bebo em sítios quentinhos, de preferência envidraçados, enquanto o frio e a chuva passeiam lá fora.
- de ânforas e ampulhetas e não sei porquê: são dois objectos que me encantam mas nunca percebi se tem alguma relação com a minha personalidade
- de livros que me falem de pessoas, livros escritos por pessoas, com pessoas, para pessoas, sobre pessoas
- conversar, conversas que me digam algo, sendo que este algo pode variar muito, conforme o momento, o estado de espírito, o interlocutor, o…
- de ficar na cama nos Domingos de manhã com o meu livro na mão e o sol lá fora a espreitar na janela
- de ir para a praia no pico do Verão nas horas proibidas só para ter um desculpa para ficar no bar com um café ou uma bebida fresquinha, sozinha com a minha leitura
- de comprar bijouterias coloridas e volumosas que me dêem a sensação de me apresentar alegre todo o dia
- de estar sozinha, rodeada de pessoas e com tempo para observá-las, escutar o que me dizem e sentir porque são diferentes
- de escrever, porque sim!

Não gosto
- de andar perdida em trânsitos intermináveis quando há tanta coisa para fazer e tão pouco tempo.
- de espaços fechados, com muita gente lá dentro, onde me sinto sem ar.
- de acordar e saber que são horas de levantar
- de pagar contas porque me apetece sempre desviar aquele dinheiro para outros lados mais prazenteiros
- de discussões com pessoas de quem gosto
- de sapatos que me apertam os pés e fazem doer os dedos porque o caminho faz-se caminhando e é preciso conforto para caminhar
- que tentem apressar-me nas minhas tarefas porque fico nervosa e impaciente
- que falte a luz porque detesto a escuridão e gosto de ver tudo iluminado à minha volta
- de pessoas que falam muito alto porque me irritam os sons estridentes
- das minhas aulas de hidroginástica porque não gosto de me mexer e só lá vou porque o médico é chato e mesmo assim estou sempre a ver se tenho hoje uma desculpa para não ir

Que acontece quando escreves?


Partindo do pressuposto de que escrevendo determinada palavra algo acontece, criar 12 frases. A partir daí, 10 minutos para um texto

Frases:
- Escrevi a palavra frio e logo me achei num frigorífico;
- Escrevi a palavra carro e um carrossel maluco começou a correr na minha direcção;
- Escrevi a palavra lápis e a minha mão nunca mais encontrou descanso;
- Escrevi a palavra cor e arco-íris enormes formaram um gigantesco céu colorido;
- Escrevi a palavra vida e o meu sangue desatou a correr, fugindo-me das veias e inundando montes e vales;
- Escrevi a palavra passe-vite e fui atropelada por gigantescos livros de culinária;
- Escrevi a palavra criança e vi-me de novo junto ao mar;
- Escrevi a palavra jardim e nunca as flores me pareceram tão belas;
- Escrevi a palavra avó e um aconchego de saudade tocou-me o coração;
- Escrevi a palavra amigo e senti-me perseguida por fortes cores de conforto na alma;
- Escrevi a palavra escrever e a minha vida cresceu como um balão e subiu até tocar os raios do sol e explodir em inúmeras partículas de alegria

Ainda ontem estava eu na janela da casa amarela que fica ao fundo do quintal da minha avó, lá junto à casa dos caseiros, quando a D. Balbina, que há mais de 50 anos é a habitante privilegiada dessa casa que sempre mencionamos no plural mas deveríamos pronunciar no feminino e no singular (caseira), a D. Balbina, dizia eu, quase me abalroava numa pressa irracional perguntando esbaforida a tudo o que à volta dela se mexia:
- Viram o meu passe-vite? Viram o meu passe-vite? O menino está a chegar e o almoço para aprontar. Viram o meu passe-vite?
O menino era o meu pai, quase da idade da nossa Balbina, mas eternamente baptizado “o menino”. Que seria eu então? Um bebé insignificante, com toda a certeza!
Foi nessa aflição da Balbina que me lembrei de um exercício que nos era muito aconselhado nas aulas de criatividade de um curso feito há muitos anos, mais por gozo do que por interesse: “se escreverem com muito fervor, o vosso desejo concretiza-se”.
Sem caneta por perto, peguei então numa pena de um pato que por ali andava, molhei-a em chocolate que derreti num microondas improvavelmente ali colocado e desatei a escrever. Parece-me que a Balbina ainda não me perdoou: é que quando escrevi a palavra passe-vite, fomos, eu e ela, atropeladas furiosamente por gigantescos livros de culinária saídos sabe-se lá de onde!

Mensagens misteriosas...

A partir de palavras recortadas de jornais, construir uma frase. Tratando esta frase como uma mensagem recebida, fazer um texto em 10 minutos.

Palavras recortadas:
Saldos
Vozes
Feliz
Cidade
Aqui
Igreja
Teatro
Acabamentos
Montalegre
Até 28 de Fevereiro

Mensagem
Aqui, na cidade de Montalegre, vozes vindas do interior do teatro, fazem antever que está já em fase de acabamentos a feliz época de saldos que terão lugar na igreja até 28 de Fevereiro.

Quando recebi esta mensagem não me apercebi de imediato do seu alcance. Ingenuamente, pensei que era uma inocente informação acerca de uns saldos, que, seguindo velhas estratégias comerciais, pretendiam anunciar de forma bizarra os saldos que mais uma vez tentavam despachar para as mãos de distraídos como eu tudo o que já não tem lugar em lugares tão inóspitos como igrejas.
Segui o meu caminho e foi só quando já estava a pôr à boca a primeira colher de uma coisa que me disseram no snack ser uma sopa, mas que eu achei demasiado amarela para poder ser ingerida sem perigo, foi nesse exacto instante, quando a palavra perigo assomou á minha mente, que vozes de alarme soaram na minha cabeça e a suspeita nasceu: não, aquela frase no cartaz da junta de freguesia do bairro Vida Alegre da minha cidade de Montalegre era certamente uma mensagem encriptada, ali colocada por alguém de forma a fornecer pistas a outro alguém. Afinal, quem se lembraria de fazer saldos numa igreja que ainda por cima estariam a ser ultimados num teatro, o nosso amado teatro Montalegrense? Não, ali havia coisa…
Decidida, resolvi partir em busca de pistas. Foi então que…

Palavras coloridas e palavras sem cor


A partir de um pequeno passeio pedestre e pensando em palavras coloridas e palavras sem cor, fazer dois textos.

Num banco de jardim uma criança brincava com um carrinho longe de pensar que o peluche que segurava no colo tinha vindo de uma daquelas montras. Como o diamante que a avó ostentava no colar que lhe compunha o pescoço. Distraída, balanceava o olhar entre os saldos que saltavam de vidros convidativos e as varandas que ocultavam vidas interiores para lá de paredes. Olhou então para o relógio, assustou-se e quase gritou:
- Carolina, vem já comer a tua salada de frutas!
- Não quero. Tem laranja que não combina com o meu casaco grenat. Quero antes aquela gelatina!
Impaciente com a petulância da garota, a avó olhou para a montra que ela apontava e dedicou-se a pensar como tudo seria mais fácil se as montras da cidade não prometessem tantos atractivos aos miúdo, sem reparar que havia sido numa daquelas montras que se apaixonara pelo diamante que agora lhe pesava no pescoço e do qual nunca mais se apartara.


Semáforos. Passadeiras. Gente apressada. Polícias. Gente que puxa por notas para pagar o que não vai precisar. Cortinas. Gente que se esconde para lá da sua vida. Dejectos. Lixo. Resíduos que se acumulam nas pedras da calçada. Gente que espera na escuridão por uma sopa. Noite. Preto. Breu. Gente que espreita de marquises cinzentas. Carros. Trânsito. Gente que corre. Palavras sem sentido outrora. Stress. Vida apressada. Desamor.

Onde até os peixes voam


A partir de 15 postais contendo pinturas, contruir frases e, com base nestas, um texto em 10 minutos.

Frases:
- Peixes voadores são uma inspiração para cálidas tardes de Verão com gato à espreita;
- Profusão de cores sem ordem também é arte;
- É da pluralidade que nasce a diversidade;
- O sofrimento e a esperança caminham frequentemente lado a lado;
- Há alegria no ar quando moinhos de vento se confundem com chupa-chupas de crianças;
- Há flores aprisionadas em jarras que imploram por explorar o mundo;
- Frutos escravizados sobre homens derrubados que fazem tremer mulheres;
- Nada está perdido no mundo quando me encontro com peixes voadores vermelhos que saltam alegremente de antigas caixas de correio ainda mais vermelhas;
- A noite que cresce sobre as estrelas caindo sob gente que ainda não esqueceu o sol de há momentos;
- Porque tentam os homens imitar em esquadria estrelas que brotam naturalmente do empedrado das ruas?
- As mil e uma noites recontadas numa outra perspectiva como só ele sabe;
- Esperança e ainda vida numa jangada em almas à deriva de sentimentos;
- Como posso apreciar o que me transcende e eu não compreendo? Como encontrar arte onde só vejo velas de barquinhos em mar de Verão?
- Paleta de cores como as da minha infância onde havia todas as cores que há no mundo;
- Um universo feminino que se ergue para lá da minha aldeia;

Há todo um universo feminino que se ergue para lá da minha aldeia. Gatos espreitam. Peixes voadores podem ser vermelhos. O vermelho pode também ser a cor de caixas de correio antigas de onde saem em alegre correria os peixes voadores. A vida na minha aldeia, de onde espreitam gatos, saltam peixes que voam atrás de cartas, selos, carteiros, pode ser uma inspiração para cálidas tardes de Verão.
Há flores aprisionadas em jarras que imploram por explorar o mundo. Nesse mundo, há homens que imitam inutilmente estrelas em esquadria porque não sabem que há estrelas que saltam dos mares e esperam por nós à porta, no empedrado das ruas.
Há alegria no ar quando moinhos de vento se confundem com chupa-chupas de crianças, crianças vestidas com paletas de cor que fazem sonhar, sonhos que me fazem acreditar que peixes voadores vermelhos virão perseguir-me em cálidas tardes de Verão cheias de sol, sóis amarelos que reflectem sorrisos, sorrisos descarados que saltam para o empedrado das ruas e já não cabem nas vielas da minha aldeia e tomam as cidades, os mares, os ares e vão para lá, para lá da minha aldeia, através do universo feminino, por onde tudo isto começou.

Brincando com números

Escrever um texto a partir de um qualquer número

Três é a conta que Deus fez
Três flores para repartir
Três letras para mãe
Três letras para pai
Três letras para avó
Três letras para avô
Três palavras para amar [eu te amo]
Três ideias mágicas para começar
Três ovos para estrelar
Três estrelas para admirar
Três oceanos para navegar
Três continentes para cruzar
Três portas para atravessar
Três janelas para abrir
Três muros para saltar
Três pilares para derrubar
Três saias para vestir
Três anéis para adornar
Três canetas para escrever
Três lápis para anotar
Três beijos para roubar
Três cabelos para desalinhar
Três canções para ouvir
Três instrumentos para tocar
Três notas de musica para soltar
Três maçãs para comer
Três é a conta que Deus fez
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