segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Regresso



Quase noite, mas ainda o cinzento do dia. Cinzento de chuva. Uma chuva que incomoda. Conduzo de regresso a casa. Casa. Seguro o volante com uma mão. A outra vagueia, distraída. Ajeita o cabelo, pousa no assento, na caixa de velocidades, passa pelo rosto, descansa momentaneamente na perna, desliza para a caixa outra vez e aí fica. A dança dos pés nos pedais não me é estranha, mas é como se dela não tivesse consciência. Como de nada do que me rodeia. Vejo sem ver a auto-estrada, um ziguezague á minha frente, as luzinhas vermelhas dos carros à minha frente, todos em movimentos iguais aos meus, mas todos a anteciparem-me. Regresso. Um nevoeiro cerrado a subir a serra. Um verde cinzento na natureza. Do verde bonito dos dias de sol, nada. O rádio a tocar, eu sem ouvir. Naninni? Talvez. A voz é rouca, soaria bem se eu a ouvisse. Não ouço.

Desde que te foste embora, não ouço. Não ouço, não sinto, não vejo. Regresso. Casa. Penso no tempo em que a minha casa era uma janela. Uma janela de ilusões. Mas tu foste embora e ficou o vazio. Incomparável.
Conduzo devagar. Um vagar desatento de quem não dá conta. A voz é agora masculina. “E é sempre a primeira vez, em cada regresso a casa”. Veloso. Faz-me lembrar-te. Por onde andas agora?

Eu sabia a cada vez que. Sempre que. Em todas as vezes que
- enviar
um friozinho, porque eu sabia que. Que podia ser a ultima. Que talvez já não viesses. Regresso. Às vezes demorava dias, semanas até. Às vezes era espontâneo, outras vezes um mero acaso. Mas sabia que podia ser a ultima. A ultima vez que. Enviar.
Outra voz masculina. Num inglês sensual, diz que precisa de mim esta noite. Rio-me histericamente ao pensar que não fala para mim. Que nunca ninguém assim para mim.

Avanço. Chove ainda. A estrada inclina-se e uma Beatriz Costa em madeira anuncia-me por onde passo. Uma subida agora e a portagem já ali à frente. Estou quase. Regresso.
Aprender. São assim agora os meus dias. Aprender a tua ausência. O livro da Margarida devolvido á prateleira depois de lido e tanto de mim ali. Uma ausência diária. Aprender. Recuperar a partir do que ficou, do que tenho. Definho e nem dou conta. Tanto de mim ali. Inexplicável.

Estou de regresso a casa.
Dizer-te só mais uma vez. Quando desceste do meu comboio, deixaste uma permanente saudade. Inesquecível.
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