segunda-feira, 22 de março de 2010

De pecado


Mote: sorteado um pecado capital a cada elemento do grupo (aproveitando a coincidência de sermos em número de 7), escrever um texto sobre o pecado que coube em sorte.

Meu amor,
Hoje voltei lá. Digo-o sem vaidade, aliás não é coisa de que me orgulhe.
Como sabes, ela sempre me acompanhou. Desde pequenino. A minha mãe atafulhava-me. A minha avó via-me anafado e logo exclamava, cheia de orgulho: «está com tão boas cores!». Até nas mãos do meu avô paterno, sempre tão avarento, havia sempre uma moeda para mais uma guloseima. Hoje, quando penso no efeito de tudo aquilo, sinto uma ira imensa. Não deles, coitados, para eles era uma segurança. A minha raiva é de mim mesmo, por não conseguir controlar-me. Na verdade, foi sempre ela que controlou a minha vida. Não sei se por preguiça da minha parte, se por fraca força de vontade. Nunca resisti, nunca quis resistir, anseio por aquele prazer, é como uma orgia, há nisto um toque de luxúria.
No fim, resta-me a frustração e outros sentimentos menos nobres. Não imaginas a inveja que sinto de ti quando te olho na tua magnífica elegância.
Mas, dizia eu, hoje voltei lá. Na aproximação ao prédio, o friozinho do costume ao encarar a placa por cima da porta: «Gulosos Compulsivo Anónimos». É intimidante, sabes? e é preciso coragem. Entrei e juntei-me às outras pessoas que já estavam sentadas em cadeiras dispostas em círculo. Conheço as histórias de alguns daqueles rostos e senti pena de um ou outro, porque lhes pressenti a culpa. Quando chegou a minha vez, elevei a voz e pronunciei com determinação: «Eu alimento-me de forma compulsiva, mas há exactamente 18 dias que não cedo à tentação».

Pecado que me coube em sorte: a Gula

Mote: Pedro
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sexta-feira, 19 de março de 2010

Com palavras de lá


Mote: escrever um texto com palavras de terminologia brasileira, proposta pelo Luis. Após pesquisa, foi possivel descobrir os seus significados, que indico à frente de cada uma: «bochinho» (um tipo irritadiço), «brasina» (não encontrei o significado, mas descobri que há uma village na Croácia com este nome), «Xirú», «capincho» (bicho, tipo capivara), «temporona» (fora de tempo, fora de época). Incluí, ainda, «barbada» (algo fácil), na sequência de um comentário da Leila.

«Xirú, tem aqui sua nova assistente. O espectáculo é logo mais à noite, o melhor é ensaiarem agora um pouco».
Xirú Bananaeira respirou fundo e olhou mais uma vez para a rapariga. Não percebia porque razão o seu agente tinha contratado aquela moça temporona. Tudo o que nela pudesse prometer parecia já ter acontecido. Se ao menos ela soubesse dançar, estava disposto a esquecer os anos a mais que ela aparentava, os quilitos que não disfarçava e o palmo de cara que lhe faltava.
Longe iam os tempos em que ensinar estas raparigas era barbada e lhe dava um tremendo gozo. Agora, tudo o que elas conseguiam era trazer de volta a lembrança de Conchita Consuelo e da semana que tinham passado em Brasina, esquecidos da vida. Lá, na Croácia, naquela village distante do mundo, tinham sido felizes. Mas, enfim, o seu agente descobrira que ela era casada com o empresário do espectáculo e não admitira que uma paixoneta interferisse com o esforço e suor de meses de trabalho. Em pouco tempo, tinha feito Conchita desaparecer e, com ela, toda a sua esperança num futuro longe dos palcos, lugar onde sentia não pertencer.
Desde aquele dia ganhou fama de bochinho e agora ainda tinha que ensinar aquela flausina a dançar ao som da concertina. Que decadência, meu Deus, que figuras era obrigado a fazer.
Bom, e se queria despachar-se, talvez fosse melhor começar, ajudando a rapariga a descer da cadeira. Nunca entendera aquela fixação feminina de pular para cima de mesas e cadeiras sempre que se deparavam com capinchos, que ainda por cima eram bichos tão inofensivos.

Mote: Luis
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