domingo, 29 de março de 2009

Silêncios com alma


A partir de três palavras que, em nossa opinião, nos definam, escolher duas e, conjugando-as com a palavra “camisola” (a propósito de uma camisola há muito abandonada na sala), escrever um pequeno texto.

Palavras escolhidas:
Silêncio
Alma

Gosto dos meus silêncios.
Gosto de ouvir o que têm para me dizer. Gosto de me deter sobre os seus sons.
É neles que a minha alma é mais verdadeira.
Os meus silêncios são ilhas de calor que apetece vestir e albergam minha voz.
São um caminhar de passos seguros que me levam para lá de mim, para lá da minha alma.
Os meus silêncios não são solidão, têm cores suaves, são aconchego, cheiram a camisolas quentinhas acabadas de tricotar, sabem a Verão, parecem o mar, são a Paz.
A minha Paz.
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quarta-feira, 25 de março de 2009

Lavar a alma


Escolher um local, em casa, onde habitualmente não permanecemos. Observar daí o mundo de um ponto de vista nunca antes percepcionado. Depois, escrever sobre a experiência.

Local escolhido: o (interior do) tanque da roupa. Lá dentro, imaginei-me uma das peças que usualmente o habitam

Texto:
Dentro de um tanque, vejo-me roupa suja, suja de todos os dias. Ouço à minha volta uma azáfama de higiene, um corre-corre de limpeza.
Sinto-me afogada em água que em breve será ritual de purificação, um baptizado que me devolverá ao mundo das coisas limpas.
Não estou sozinha e sei que sou apenas um pequeno grão acumulado ao longo de dias. Sou a manga de uma camisa, a perna de uma calça, o cós de uma saia, sou uma peúga, uma peça de roupa íntima. Em cada uma que sou, há nódoas de vergonha que tornam indistintas as muitas que julgo ser. Quando sair daqui voltarei a ter personalidade própria e, então, a blusa suja que sou agora, voltará a ser a mais bela peça de arte costurada que alguma vez terá pousado sobre um ombro ou sobre uma das outras companheiras que agora por aqui andam a boiar comigo.
Lá fora, o mundo espera-me sobre a forma de um estendal. Isto de pendurar roupa tem que se lhe diga e espero que quem vier tratar de mim saiba da arte. Vou ficar muito quietinha, deliciada, a sentir em mim o calorzinho do sol, muito esticadinha, para secar muito depressa.
Mas por agora estou aqui, dentro deste tanque, a fazer companhia a outras malcheirosas como eu. Atiram-nos para cima um pó perfumado – ouvi chamarem-lhe detergente! – e… atchim! ponho-me logo a espirrar, o nariz a queixar-se de alergia!
Vão bater-nos, esfregar-nos, passar-nos por água limpa, agora o amaciador, água limpa outra vez, agora torce, torce, bate outra vez sem piedade sobre a pedra frisada do tanque e…

Sinto a alma lavada!
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quinta-feira, 5 de março de 2009

Olhar o mundo


Escolhido um local, fora da sala de aula, para “permanecer” por algum tempo, olhar dali o mundo com uma postura que normalmente não seria habitual naquele local e circunstâncias.

Escrever a partir da frase imaginária “O mundo visto daqui”.

Texto:

De joelhos naquilo que parecia um parapeito de uma janela. As mãos firmemente agarradas nas grades que funcionam como uma cortina para a rua.
O mundo visto daqui é feio, mas não me assusta. Para fora, vêem-se edifícios velhos e sujos, mas, sobre eles, uma nesga de céu. Olho repetidamente para cima.

Como estou de joelhos, dir-se-ia que estou a rezar. Como olho para o alto, talvez esteja em busca de um sentido para a existência – a que alguns chamariam Deus.

Mas, curiosamente, é quando olho para baixo e encontro a meus pés um vaso com uma planta, suspenso nas mesmas grades onde continuam depostas as minhas mãos, que vejo que ali mora uma nascente de vida, ou seja, a esperança.

Sinto-me liberta da minha prisão.


(Nota: este texto é uma homenagem à Madalena, que começou hoje a aventura da vida)

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domingo, 1 de março de 2009

O espaço à minha volta


Vagueando pelo espaço circundante à sala e aula, com a percepção máxima dos cinco sentidos, anotar todas as sensações por eles alcançadas. Escrever um texto sobre a experiência

..................(saio para o hall, toco na aduela de uma porta)

É rugoso. Ouço um dossier que se fecha sobre uma mola ruidosa. Ouço passos. Ouço uma caneta que não é minha. Vejo a rua. Ouço um ruído de fundo de uma qualquer máquina que não identifico. Ouço uma porta a ranger.

Sinto frio e sinto medo.

.................(desloco-me para o exterior, fico no patamar da escada)

Vejo branco. Branco polvilhado de negro e castanho. Há madeiras porosas e pouco tratadas. Há uma parede áspera que alguém quis tratar com tinta de areia. Arranha. Continuo a ouvir um zumbido de uma máquina ininterrupta. Há à minha volta uma esfera de velho e antigo.

É a cidade envelhecida.

Sinto frio e sinto medo.

Sinto a aragem de uma janela aberta. Ouço o ruído. Será uma ventoinha? Há degraus que se precipitam á minha frente.

Sinto vertigens.

.................(volto à sala)

Recuo. Volto á sala e toco num quadro meio-esferovite, meio-madeira. Áspero. Também ele arranha.

.................(passo para a outra sala)

Passo à outra sala. Uma cortina preta cobre a janela onde devia haver luz. Talvez quem a colocou ali saiba que é noite, do outro lado só a escuridão. Toco a cortina. É leve e mais agradável ao toque do que pensei. Toco-lhe e ela esvoaça. Logo abaixo dela a janela é rematada com uma pedra cinzenta. Dura.
Apoio a mão sobre uma mesa de madeira para escrever. Vou agora senti-la.
É lisa, mas percebo-lhe os veios. Móvel de outros tempos, madeira a sério. É macia e agradável.

À minha volta branco, preto, castanho. Paredes, cortina, degraus, móveis.

.................(volto à sala de aula)

Volto à sala. Sento-me. Há luz. Finalmente saio da penumbra. Escuto as cores, olho os sons na rua, ouço a vontade de não largar a caneta.

Sinto vontade de escrever.

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