Depois de observar 10 chaves diferentes, contar uma história a partir delas
Dizia-se igual às outras, em ímpetos de falsa modéstia, mas poucos acreditavam. Era caprichosa, vaidosa, birrenta e insuportável. Bastava uma rajada de vento escapar pela porta que abria e amuava. Bastava quem a transportava esquecê-la na mesa do café para se revelar todo o seu mau humor. Emperrava na porta e nada a fazia funcionar.
Sentia-se a Rainha das Chaves, mas escondia um profundo desgosto. Gostava de ter sido uma portentosa chave de uma porta de um castelo encantado e ser ela o objecto que permitisse ao seu dono salvar uma princesa em apuros. Não podia com a ideia da fraca importância que os humanos davam à sua função, pois julgava que sem ela e outras como ela, o mundo não seria o mesmo. Uma chave não é isenta de importância. Com ela se pode abrir um sonho, o paraíso, um coração, um arco-íris, a porta do céu, o fogo, o sol e a lua, o mar, um carrossel de ilusões, um mundo de fantasia, ou simplesmente uma ideia.
Ou pelo menos assim pensava. Em vez disso, odiava saber que a tinham prendido àquele banal porta-chaves onde nem faltava uma identificação da porta a que pertencia, não fosse acontecer confundirem-na, porque no fundo sabia-se tão igual ás outras que nada a distinguia.
Ser diferente era o seu sonho e a consciência da sua pequeneza, ignorada no fundo de uma mala, desesperava-a. Logo ela, que tantas histórias tinha para contar de quantas portas abrira. Acaso alguém algum dia lhe dissera “D. Chave, conte-me quanto viu”? Na próxima vez que a usassem ficaria tão hirta, tão hirta que quem a forçasse a partiria e talvez pudesse finalmente descansar no cemitério das chaves. Oh, terrível pensamento este para quem um dia se julgara a Rainha das Chaves.
1 comentário:
Parece-me que essa Chave ainda não descobriu o "milionésimo de diferente que faz com que nos distingamos dos outros" como lhe chama Milan Kundera. Não é fácil... por vezes a vida é mais curta do que o tempo necessário para encontra-lo. Mas os afortunados que o acham nunca mais vivem sós...
Enviar um comentário