Calhou-me ser a Laurinda, que descreveu a sua escrita como sendo "difícil de acontecer; de sensações; de lugares (descrição); tenta ser verdadeira, real".
Era um elevador antigo, já um pouco entradote e vivia num prédio tão velho como ele. Estava um pouco farto daquela vida que levava. Tinha um emprego aborrecido, sempre a carregar desconhecidos para cima e para baixo. Ainda por cima mal agradecidos, ninguém dava verdadeiro valor à utilidade que ele representava nas suas vidas. Depois, eram as avarias constantes, os súbitos cortes de energia que o deixavam apreensivo, as molas e os carretos gastos, já um bocadinho enferrujados. Ansiava pela reforma do zelador do prédio, que não tratava da manutenção como ele merecia. Era uma maçada sentir tantas dores de cabeça provocadas pelo próprio ruído, sabendo que não podia evitá-las.
E depois, as pessoas estavam cada vez mais preguiçosas, já ninguém usava as escadas. Algumas eram muito pesadas e não respeitavam o limite de carga e lá ia ele a transpirar por ali fora, numa enervante chiadeira.
O desgaste não o impedia de ser uma máquina sonhadora: ansiava ser um elevador panorâmico, instalado num bonito ponto turístico, com uma linda vista. Apesar de não conhecer muito do mundo, ouvia as conversas das pessoas que transportava e sabia que esses sítios existiam. Transportaria pessoas requintadas, turistas endinheirados que lhe deixariam um agradável perfume na cabine. Seria chamado de “ascensor” e, quem sabe, teria um daqueles – como é que se diz? – ascensorista, que receberia pesadas gorjetas em troca do bom serviço que ele, ele sim, prestaria a tão ilustres viajantes. Seria inaugurado com pompa e circunstância, seria…
Estava nestes pensamentos, irrealistas, convenhamos, quando mais uma vez sentiu uma mão no puxador da porta exterior, afastando sem qualquer cuidado a porta interior de concertina (as pessoas eram tão descuidadas, meu Deus!) e, batendo ao fechá-la, carregou no botão do 5º andar. Respirou fundo, resmungou um pouco naquela linguagem que só os elevadores conhecem e lá foi ele, a ranger pelo prédio fora.
Mote: Pedro