sexta-feira, 18 de junho de 2010

ADEUS SARAMAGO


"A princesa já não pensa nos homens que viu na estrada. Agora mesmo se lembrou de que, afinal, nunca foi a Mafra, que estranha coisa, constrói-se um convento porque nasceu Maria Bárbara, cumpre-se o voto porque Maria Bárbara nasceu, e Maria Bárbara não viu, não sabe (...). Ai as culpas de Maria Bárbara, o mal que já fez só porque nasceu (...). Senhora mãe e rainha minha, aqui estou eu indo para Espanha, donde não voltarei, em Mafra sei que se constrói um convento por causa de voto em que fui parte, e nunca ninguém de cá me levou a vê-lo, há nisto muita coisa que não sei entender, Minha filha e futura rainha, não retires ao tempo que deve ser de oração o tempo de vãos pensamentos, tais são esses, a real vontade de teu pai e senhor nosso quis que se levantasse o convento, a mesma real vontade quer que vás para Espanha e o convento não vejas, só a vontade de el-rei prevalece, o resto é nada, então é nada esta infanta que eu sou, nada os homens que vão além, nada este coche que nos leva, nada aquele oficial que ali vai à chuva e olha para mim, nada, Assim é, minha filha e quanto mais se for prolongando a tua vida, melhor verás que o mundo é como uma grande sombra que vai passando para dentro do nosso coração, por isso o mundo se torna vazio e o coração não resiste, oh, minha mãe, que é nascer, Nascer é morrer, Maria Bárbara."

In: O Memorial do Convento

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