Sub-título 1: Ele e Ela
Sub-título 2: De como o absurdo pode dar sentido à vida
Conheceram-se num computador, no final de um mês de Março de um ano que já passou. Ele meteu-se com ela e ela retorquiu, um pouco desconfiada a princípio. Tão desconfiada que só muito lentamente o deixou invadir a sua vida.
Devagarinho, foram-se aproximando. Descobrindo. Encontraram-se uma e outra e outra vez, em inúmeras seduções do corpo e da alma.
“Devagar vamos começando uma relação que vai crescendo. Vou descobrindo uma mulher de uma riqueza interior notável. Uma mulher sensível, estimulante, viva. Uma mulher que "mexe" comigo.”
Viviam longe um do outro. Muitos quilómetros geográficos os separavam, mas a ela parecia-lhe que estavam à distância do pensamento. Ela acalentava o sonho de um dia poder vencer a distância física e acreditou sempre que um dia iria conhecê-lo, ver a luz dos olhos dele (às vezes, ela é muito ingénua).
Ele ocupava os seus dias numa sociedade financeira, ela às voltas com papéis num trabalho banal, sem história. Ele com os seus números, ela com as suas letras. Ele, um profissional de sucesso. Ela, uma pessoa comum.
Ela questiona-se muitas vezes como é que duas pessoas tão diferentes, de mundos tão opostos, criaram uma tão grande cumplicidade num computador, essa máquina que é a lavoura da época deles, e com ele aprendeu como o mais improvável absurdo pode dar sentido à vida. Ela continua ainda hoje a procurar um sentido para aquele encontro.
“Às vezes surpreende-nos o que nos separa e no entanto é tão mais surpreendente o que nos une uns aos outros.”
Trocaram fotografias e ficaram a conhecer-se. Ele seduziu-a com os seus olhos marotos e as suas covinhas no rosto, que a encantaram. Ela, com os seus kissables lips, embora não soubesse o que isso era.
Durante muito tempo, o mundo dela foi aquele computador. Ele escrevia-lhe com pena de poeta. Ela, obsessiva e perfeccionista, gostava do pormenor, ganhou fama de ser cinzenta e levou-o várias vezes a pedir-lhe que relaxasse e deixasse fluir a vida. Ela pergunta-se se, nessas ocasiões, ele estava a falar consigo próprio. Ele, que valorizava a vida, cada minuto de vida. Ela, ávida de vida.
“As pessoas não valorizam o dia a dia. Eu valorizo.”
Ele dizia que ela era perspicaz (talvez fosse) e se calhar era por isso que se retraía e recolhia à concha de cada vez que ela chegava perto de um ponto sensível dele.
Ele queria fazer mais pela vida dele e dos outros, ir mais longe, voar mais alto, desinstalar-se e fê-la ver o mundo com outros olhos.
“Acho que gostava que as pessoas me lembrassem como um homem bom. Tocar a vida das pessoas de maneira positiva.”
Ele um inconformado (inconformista?). Ela uma deslumbrada (deslumbrante?).
Comboios, helicópteros, motos, tudo foi pretexto para conversas soltas. Falaram de livros lidos e músicas escutadas. Falaram de frustrações, de inquietações, de vivências, de expectativas, de surpresas, desafios e fantasias. De sonhos. Sonharam. Viveram. E sonhar foi também viver.
Juntos recordaram passados, memórias, tempos idos. E falaram do presente e, com isso e por isso, sentiram-se vivos. E projectaram futuros. Desassossegaram-se. Mas os dois sabem que grande parte das vezes em que conversavam um com o outro não estavam a fazer mais do que a falar para si mesmos.
Ele chamou-lhe génio, logo ele, que ela considerava sábio, e um dia disse-lhe que ela era inesquecível, inexplicável, incomparável. Ela acreditou (às vezes, ela é muito ingénua), mas não percebeu que aqueles três in só queriam dizer que afinal ela já estava out da vida dele.
Ela seguiu o caminho dela, novos rostos repovoaram a sua vida, que ganhou novas cores, novas formas, novos significados. Outro tanto terá acontecido com a vida dele. Às vezes ainda se encontram, mas já não se falam. Ela pergunta-se muitas vezes se ele a esqueceu e porquê. Ela nunca o esqueceu.
Mas nela ficou sempre a mágoa. De nada mais ter sabido dele. De não ter podido acompanhar-lhe o percurso, os sonhos, os projectos. Mas ela nunca mais soube. Nela ficou a mágoa.
“A vida também se mede pelas marcas que deixamos nos outros e que os outros deixam em nós. É a ausência destas marcas que nos deixam uma sensação de vazio muitas vezes difícil de suportar.”
Hoje é o aniversário dele. Ele disse-lhe que não dava importância a datas, mas ela tinha a mania das datas e queria assinalar o dia de hoje e oferecer-lhe um presente, mas não sabia o quê. Então pensou que para ele nada mais poderia ter do que palavras. As palavras, essas marotas que foram sempre o elo de ligação entre eles, por poderem expressar sentimentos, sensibilidades, emoções. Ela nada mais poderia fazer do que dedicar-lhe palavras. Estas. E dedicou-lhas.
Ela queria dizer-lhe que gostava que ele fosse muito feliz, mas sabe que uma felicidade tão plena como a que ela quer para ele não existe. Às vezes, felicidade não é mais do que sabermos que, algures, alguém foi parte do nosso caminho e adoçou a nossa vida.
Sub-título 2: De como o absurdo pode dar sentido à vida
Conheceram-se num computador, no final de um mês de Março de um ano que já passou. Ele meteu-se com ela e ela retorquiu, um pouco desconfiada a princípio. Tão desconfiada que só muito lentamente o deixou invadir a sua vida.
Devagarinho, foram-se aproximando. Descobrindo. Encontraram-se uma e outra e outra vez, em inúmeras seduções do corpo e da alma.
“Devagar vamos começando uma relação que vai crescendo. Vou descobrindo uma mulher de uma riqueza interior notável. Uma mulher sensível, estimulante, viva. Uma mulher que "mexe" comigo.”
Viviam longe um do outro. Muitos quilómetros geográficos os separavam, mas a ela parecia-lhe que estavam à distância do pensamento. Ela acalentava o sonho de um dia poder vencer a distância física e acreditou sempre que um dia iria conhecê-lo, ver a luz dos olhos dele (às vezes, ela é muito ingénua).
Ele ocupava os seus dias numa sociedade financeira, ela às voltas com papéis num trabalho banal, sem história. Ele com os seus números, ela com as suas letras. Ele, um profissional de sucesso. Ela, uma pessoa comum.
Ela questiona-se muitas vezes como é que duas pessoas tão diferentes, de mundos tão opostos, criaram uma tão grande cumplicidade num computador, essa máquina que é a lavoura da época deles, e com ele aprendeu como o mais improvável absurdo pode dar sentido à vida. Ela continua ainda hoje a procurar um sentido para aquele encontro.
“Às vezes surpreende-nos o que nos separa e no entanto é tão mais surpreendente o que nos une uns aos outros.”
Trocaram fotografias e ficaram a conhecer-se. Ele seduziu-a com os seus olhos marotos e as suas covinhas no rosto, que a encantaram. Ela, com os seus kissables lips, embora não soubesse o que isso era.
Durante muito tempo, o mundo dela foi aquele computador. Ele escrevia-lhe com pena de poeta. Ela, obsessiva e perfeccionista, gostava do pormenor, ganhou fama de ser cinzenta e levou-o várias vezes a pedir-lhe que relaxasse e deixasse fluir a vida. Ela pergunta-se se, nessas ocasiões, ele estava a falar consigo próprio. Ele, que valorizava a vida, cada minuto de vida. Ela, ávida de vida.
“As pessoas não valorizam o dia a dia. Eu valorizo.”
Ele dizia que ela era perspicaz (talvez fosse) e se calhar era por isso que se retraía e recolhia à concha de cada vez que ela chegava perto de um ponto sensível dele.
Ele queria fazer mais pela vida dele e dos outros, ir mais longe, voar mais alto, desinstalar-se e fê-la ver o mundo com outros olhos.
“Acho que gostava que as pessoas me lembrassem como um homem bom. Tocar a vida das pessoas de maneira positiva.”
Ele um inconformado (inconformista?). Ela uma deslumbrada (deslumbrante?).
Comboios, helicópteros, motos, tudo foi pretexto para conversas soltas. Falaram de livros lidos e músicas escutadas. Falaram de frustrações, de inquietações, de vivências, de expectativas, de surpresas, desafios e fantasias. De sonhos. Sonharam. Viveram. E sonhar foi também viver.
Juntos recordaram passados, memórias, tempos idos. E falaram do presente e, com isso e por isso, sentiram-se vivos. E projectaram futuros. Desassossegaram-se. Mas os dois sabem que grande parte das vezes em que conversavam um com o outro não estavam a fazer mais do que a falar para si mesmos.
Ele chamou-lhe génio, logo ele, que ela considerava sábio, e um dia disse-lhe que ela era inesquecível, inexplicável, incomparável. Ela acreditou (às vezes, ela é muito ingénua), mas não percebeu que aqueles três in só queriam dizer que afinal ela já estava out da vida dele.
Ela seguiu o caminho dela, novos rostos repovoaram a sua vida, que ganhou novas cores, novas formas, novos significados. Outro tanto terá acontecido com a vida dele. Às vezes ainda se encontram, mas já não se falam. Ela pergunta-se muitas vezes se ele a esqueceu e porquê. Ela nunca o esqueceu.
Mas nela ficou sempre a mágoa. De nada mais ter sabido dele. De não ter podido acompanhar-lhe o percurso, os sonhos, os projectos. Mas ela nunca mais soube. Nela ficou a mágoa.
“A vida também se mede pelas marcas que deixamos nos outros e que os outros deixam em nós. É a ausência destas marcas que nos deixam uma sensação de vazio muitas vezes difícil de suportar.”
Hoje é o aniversário dele. Ele disse-lhe que não dava importância a datas, mas ela tinha a mania das datas e queria assinalar o dia de hoje e oferecer-lhe um presente, mas não sabia o quê. Então pensou que para ele nada mais poderia ter do que palavras. As palavras, essas marotas que foram sempre o elo de ligação entre eles, por poderem expressar sentimentos, sensibilidades, emoções. Ela nada mais poderia fazer do que dedicar-lhe palavras. Estas. E dedicou-lhas.
Ela queria dizer-lhe que gostava que ele fosse muito feliz, mas sabe que uma felicidade tão plena como a que ela quer para ele não existe. Às vezes, felicidade não é mais do que sabermos que, algures, alguém foi parte do nosso caminho e adoçou a nossa vida.
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3 comentários:
inspiração? imaginação? realidade? substantivos a mais, que dificilmente se apagam da nossa pequena vida, mas não importa se erramos desde que haja dentro de nós a firme certeza que estavamos certos, porque no fundo a nossa certeza é apenas ditada pelos nossos actos, sejam ou não dor ou felicidade
Porque será isto das coisas mais bonitas ( reais) que já li....
Precisamente porque é real, Anónimo, precisamente porque é real...
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