terça-feira, 27 de maio de 2008

A Escada da vida

Retirar palavras/expressões do poema Escada Sem Corrimão de David Mourão Ferreira, cantado na voz de Camané e, a partir destas, escrever durante 10 minutos.

Expressões:
Escada em caracol; sem corrimão; a caminho do sol; chão; degraus altos; sustos, sobressaltos; medo de subir; sonhos; perigos em vão

Sem saber como, vi-me diante daquela Porta. A Casa era austera, parecia uma mansão antiga. As nuvens cinzentas, pesadas de água (de lágrimas?) em final de dia obscuro, não ajudavam a desfazer a paisagem assustadora que tinha à minha frente. Mas o que dominava era aquela Porta. Enorme, toda ela rangeu quando timidamente a empurrei para lá dos meus receios.
Vi-me dentro da Casa. À minha frente delineava-se a Escada. Altiva, a caminho do sol, de degraus altos, a roçar o infinito. Tive medo de subir, mas a ordem recebida era clara: “Tens que subir a Escada, porque subi-la é subires a tua vida”. Perguntei-me de novo qual o sentido de escalar a minha vida rumo ao alto, como se ambicionasse a eternidade, mas fiz o que me havia sido dito. Subi.
Avancei na esperança de que os meus pés caminhassem ainda no chão e toquei o corrimão. A Escada moveu-se, desenhou-se em caracol e, em sobressalto, compreendi: a minha vida era uma espiral, que urgia desenrolar. Coloquei um pé no primeiro degrau e avancei a mão. Segurei o vazio. O corrimão desaparecera e tudo fez sentido: teria que subir até ao limite da minha vida sem qualquer apoio.
Nem me dei ao trabalho de olhar para trás. Sabia agora que atrás de mim já não estava a Porta, só uma espessa parede. Olhei finalmente para cima e vi, como num sonho, um feixe de luz. Sabia que era por ali. Cheia de confiança, comecei a subir ao pé-coxinho, degrau a degrau e resolvi que não contaria aquela infinidade de degraus com números, antes resolvi transformá-los em letras, que depois juntaria em palavras e comecei então a cantarolar alegremente: a, b, c, d, e , f …

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Viajar na tua escrita

Em grupo. Numa folha em branco escrever uma qualquer palavra. Dobrar a folha de modo a ocultar a palavra e passar ao colega ao lado, que fará o mesmo. 5 minutos para um texto a partir da primeira e da ultima palavras deixadas na folha.

Palavras para o texto: escrever; viajar

Escrever viajando, escrever em viagem. Deixar-me transportar na escrita da tua viagem, viajar na tua escrita. Afinal que tens em ti, que me fazes viajar na tua escrita? Que me fazes escrever em viagens?
Lembro-me do tempo em que viajávamos e escrevíamos, numa anarquia de sentidos sem fim. Memórias de um tempo feliz, de palavras inacabadas, sempre, sempre em busca do próximo destino, da próxima paragem. Partida, chegada, partida, chegada. Sempre mais além, á procura de nós mesmos, numa escrita que fazíamos no outro.
Albergávamos em nós todas as poesias e todas as prosas, que nos levavam entre as margens onde pousávamos os pés e os pensamentos. Escrevíamos com sangue, com o coração, e eram as mãos, vagarosas no corpo um do outro, que usávamos como pincéis para pintar a razão. E a razão era viajar, viajar para escrever, escrever viajando.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Vamos fazer acrósticos?


A partir de palavras retiradas do poema Ode Marítima de Fernando Pessoa, fazer alguns acrósticos. Escolher um deles e fazer um texto. 10 minutos.

Acróstico: BarcosBaralhava As Rimas Com Outros Sentidos

Ouvia ruídos, vinham-lhe sons. Apurou os sentidos e esperou as ideias. Não. Não conseguia. Receou ter-se esgotado. O medo. Sempre o medo. De já não conseguir, de nunca mais conseguir. Não sabia dizer há quanto tempo estava ali à espera. O processo era sempre o mesmo: sentava-se a ouvir a música e aguardava as ideias, esperava que lhe chegassem em atropelos de inspiração.
Vinham cada vez menos. O filão já não era o mesmo. O medo. Sempre o medo. Baralhava As Rimas Com Outros Sentidos. Às tantas já não sabia quem era. Pensou: “E então? E se tiver que ser? E se nunca mais for capaz?”
Rodou o corpo, descruzou as pernas. Ficou muito quietinha. Esperou.
E de repente…
É isso! Acrósticos. Faria acrósticos! A partir de inesperadas palavras faria inspiradas frases que se conjugariam. É isso! Havia de conseguir!
Espera… palavras! Onde buscá-las? Como escolhê-las? Onde tinha os dicionários? Os livros de criança? Em livros infantis há sempre tantas palavras bonitas que cheiram a flores frescas acabadas de colher, a castelos de histórias encantadas, a arco-íris que começam no lado esquerdo da floresta e acabam na margem direita do rio, em barcos vindos de… Barcos!
Boa!
Endireitou-se e começou a escrever.
"Boémios Amores Recordados Como Orgias Suaves…,
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sexta-feira, 9 de maio de 2008

A que sabe a lua?


Retirar ao acaso excertos de livros vários e, em 10 minutos, fazer um texto a partir deles.

Livros e frases:
- Código do IRS e IRC – “Capítulo VIII - Garantias do contribuintes – artº 128: Reclamações e Impugnações – nº 1 – Os sujeitos passivos de IRC, os seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem reclamar ou impugnar a respectiva liquidação”
- Poemas, de Fernando Pessoa – “Não quero intervalos no mundo (…) quero que os corpos físicos sejam uns dos outros como as almas”
- A que sabe a lua? de Michael Grejniec – “Vista lá de cima, a lua estava mais próxima, mas a tartaruga ainda não podia tocá-la. “Sobe para as minhas costas, talvez cheguemos à lua”. A lua pensou que se tratava de um jogo e, à medida que o elefante se ia aproximando, afastou-se um pouco. Como o elefante não pôde tocar a lua, chamou a girafa”
- Folheto de propaganda política – “Medidas urgentes para a Câmara de Lisboa”
- Novo Testamento – “Então Paulo estendeu a mão em sua defesa e respondeu: “Tenho-me por feliz, Ó Rei Agripa, de que perante ti me haja hoje de defender de todas as coisas de que sou acusado perante os judeus”
- Guia Turístico de Nova Iorque – “Loja Strand Book Story, livros em 2ª mão – Os apaixonados pelos livros ou inclusivamente quem apenas leu um ou dois não devem deixar de visitar esta loja com exemplares em 2ª mão. A funcionar desde 1927, os imponentes corredores estão cheios de livros, quase dois milhões.”
- Resumo do Código para o Exame de Condução – “Sinais verticais – dentro das localidades ou regiões montanhosas, a distância entre a extremidade do sinal mais próximo da faixa de rodagem e a vertical do limite desta, não será inferior a 50 cm, salvo casos excepcionais de absoluta impossibilidade.”
- Guia de Compras dos Vinhos Portugueses – “Pedro e Inês, Dão Tinto 2004 – Feito com baga e alfrocheiro, tem muita especiaria no aroma, fruto elegante e fresco. Na boca mostra um estilo algo diferente do habitual, mais estruturado com bons taninos, final longo, fresco e apimentado.

Texto :
Pedro disse então a Inês:
- Sobe para as minhas costas, talvez cheguemos à Lua.
Inês assim fez e espreitou o outro lado do muro.
- Que vês?
- Campos de Dão Tinto de 2004.
- Como são?
- São feitos com baga e alfrocheiro, têm muita especiaria no aroma, frutos elegantes e frescos. Posso quase pressentir que na boca terão um estilo algo diferente do habitual, mais estruturado com taninos e um final longo e apimentado.
- Tens a certeza?
- Sim, não te esqueças que estes campos resultam assim porque dentro das localidades e nas regiões montanhosas a distância entre a extremidade da parreira mais próxima da faixa dos tractores de colheita e o seu limite não poderá ser nunca inferior a 50 cm, salvo em casos excepcionais ou de absoluta impossibilidade.
- Mas porquê?
- Porque não se querem intervalos no mundo, pretende-se com isto que os corpos físicos sejam uns dos outros como as almas!
- Que mais vês?
- Um cartaz gigante que anuncia e promete medidas urgentes para a Câmara de Lisboa. Tem um título descomunal, mas o texto é em letras miudinhas….
- Mas consegues ver o que diz?
- Sim, fala de um capítulo VIII e das garantias dos contribuintes. Parece que o artigo 128 se refere às reclamações e impugnações.
- Se calhar é por isso que está em letras miudinhas. Parece-me coisa importante. Ajeita os óculos, tu consegues lê-lo, tenho a certeza!
- Sim, consigo. Diz: “Os sujeitos passivos de IRC, os seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem reclamar ou impugnar a respectiva liquidação”
- Tem mais alguma coisa?
- Por cima alguém escreveu: "Tenho-me por feliz, Sr. Presidente da Câmara, de que perante si me haja hoje defender de todas as coisas de que me querem acusar perante esses judeus".
- Esquece isso. Vamos seguir o trajecto da Lua.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Abracadabra


Depois de observar 10 chaves diferentes, contar uma história a partir delas

Dizia-se igual às outras, em ímpetos de falsa modéstia, mas poucos acreditavam. Era caprichosa, vaidosa, birrenta e insuportável. Bastava uma rajada de vento escapar pela porta que abria e amuava. Bastava quem a transportava esquecê-la na mesa do café para se revelar todo o seu mau humor. Emperrava na porta e nada a fazia funcionar.
Sentia-se a Rainha das Chaves, mas escondia um profundo desgosto. Gostava de ter sido uma portentosa chave de uma porta de um castelo encantado e ser ela o objecto que permitisse ao seu dono salvar uma princesa em apuros. Não podia com a ideia da fraca importância que os humanos davam à sua função, pois julgava que sem ela e outras como ela, o mundo não seria o mesmo. Uma chave não é isenta de importância. Com ela se pode abrir um sonho, o paraíso, um coração, um arco-íris, a porta do céu, o fogo, o sol e a lua, o mar, um carrossel de ilusões, um mundo de fantasia, ou simplesmente uma ideia.
Ou pelo menos assim pensava. Em vez disso, odiava saber que a tinham prendido àquele banal porta-chaves onde nem faltava uma identificação da porta a que pertencia, não fosse acontecer confundirem-na, porque no fundo sabia-se tão igual ás outras que nada a distinguia.
Ser diferente era o seu sonho e a consciência da sua pequeneza, ignorada no fundo de uma mala, desesperava-a. Logo ela, que tantas histórias tinha para contar de quantas portas abrira. Acaso alguém algum dia lhe dissera “D. Chave, conte-me quanto viu”? Na próxima vez que a usassem ficaria tão hirta, tão hirta que quem a forçasse a partiria e talvez pudesse finalmente descansar no cemitério das chaves. Oh, terrível pensamento este para quem um dia se julgara a Rainha das Chaves.