quarta-feira, 5 de agosto de 2009

(A)rriscado


Mote: escrever um texto às riscas (não interessa como, a única regra é causar no receptor a sensação de riscas).

Há um frio cortante por toda a casa. Tento uns rabiscos no papel, mas as mãos geladas deixam-me desconfortável e impedem-me de escrever. Ouço a chuva lá fora e corro para a janela. Afasto as ripas dos estores e olho a linha do horizonte. Nuvens pesadas entornam uma generosa queda de água em forma de grossas riscas que desabam num corrupio de movimentos verticais.
Arrisco e saio para a rua. A água escorre pela estrada numa correria louca pelo imenso traçado desenhado no asfalto. Há anos que sigo à risca os sábios conselhos da minha avó e evito a humidade para não pôr em risco a minha frágil saúde, mas hoje apetece-me esta chuva. Deixo as linhas formadas pela água escorrerem-me pelas roupas finas coladas ao corpo. Troco o risco de uma gripe pelo prazer de uma carícia molhada.
O vento sopra forte e trás consigo uma pedra que voa em direcção a um carro ali estacionado, riscando-lhe o vidro. A montra de uma loja fica riscada quando um ciclista desgovernado falha o indispensável equilíbrio.
Volto para casa, viro a cabeça a pino e com o pente vou moldando riscos nos cabelos encharcados, devolvendo-lhes a ordem. Passo pela sala. Na televisão, um programa sobre a vida animal revela-me segredos sobre o mundo das zebras. Sigo para a cozinha, quero um café quentinho para me aquecer, abro o armário e tiro uma chávena do meu novo serviço às riscas amarelas. Reparo no esparguete do almoço esquecido em cima da mesa, o frio deixou-me sem fome.
Volto à sala, e, num impulso, desato a riscar tudo o que escrevi. Depois, escrevo mais uma página do meu novo livro “A vida é um risco”.

Mote de: Nuno
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1 comentário:

Leila disse...

Há quanto tempo não vinha visitar o teu blog, loiraça ! E que delícia ler estes textos ! Beijo grande !